Há cada vez mais lixo espacial — e o Espaço é um “recurso finito”
Milhões de pedaços de lixo espacial orbitam a Terra, tornando a exploração espacial uma atividade mais perigosa e comprometendo o acesso ao Espaço para as gerações futuras. Este não é um tema novo nem recente, mas está a tornar-se “um dos maiores desafios do nosso tempo”.
Desde que o Sputnik se estreou em 1957, os humanos têm lançado continuamente satélites para a órbita terrestre para desempenhar várias funções. Milhares de satélites foram lançados nas últimas seis décadas, incluindo o Vanguard 1 — o satélite mais antigo ainda em órbita —, a estação espacial russa Mir — desorbitada em 2001 —, o Hubble, a Estação Espacial Internacional, os nove satélites Sentinel do programa Copernicus ou os 24 satélites Galileo e, mais recentemente, os mais de 2.000 satélites Starlink. Juntos fornecem comunicações, radiodifusão, previsão meteorológica e agricultura de precisão para maximizar a colheita e rotação de culturas. Além disso, são um instrumento fundamental para enfrentar as alterações climáticas.
“E a maioria dos objetos que lançamos não voltam”, diz Moriba Jah, professor associado da Universidade do Texas, Austin, e ambientalista espacial com a missão de aumentar a consciência sobre as consequências dos detritos espaciais para a vida na Terra. Objetos inoperantes de origem humana, incluindo satélites abandonados, pedaços de satélites que se partiram, estádios de foguetões, porcas e parafusos deixados pelos astronautas estão a acumular-se na órbita da Terra desde há décadas e estão a tornar-se uma fonte crescente de preocupação.
O lixo espacial não é um conceito novo nem uma ameaça recente, mas à medida que a humanidade se torna cada vez mais dependente das capacidades espaciais, o assunto está a tornar-se “um dos maiores desafios do nosso tempo”, como afirma Ricardo Conde, presidente da Agência Espacial Portuguesa.
Corre-se o risco de algumas “estradas” orbitais ficarem inutilizáveis. © ESA
“A Europa está a assumir a liderança na garantia da Sustentabilidade Espacial para evitar que os detritos espaciais se tornem uma fonte de perturbação para a nossa economia, modo de vida e bem-estar”, aponta Ricardo Conde, acrescentando que Portugal tem apoiado “a necessidade de desenvolver sistemas que permitam a gestão dos bens espaciais, o controlo e a monitorização de objetos para evitar colisões”. “Além de causar danos aos satélites operacionais, estas colisões podem levar a uma insustentabilidade espacial”, avisa.
Até porque o Espaço, e em particular as órbitas mais próximas da Terra, deve também ser olhado como um “recurso finito”, observa Moriba Jah. “E várias empresas e organizações utilizam-no sem coordenação, planeamento ou até sem falar com os outros atores sobre a forma como o estão a usar. Será trágico no momento em que esse recurso não poder ser utilizado por ninguém, porque a capacidade de providenciar a utilização de recursos foi excedida”, acrescenta.
Com o incessante crescimento da quantidade de lixo espacial, corre-se o risco de algumas “estradas” orbitais ficarem inutilizáveis — a menos que se comece a fazer “algo em relação ao nível da coordenação e planeamento, bem como a nível de comportamentos para minimizar a preponderância” destes objetos que poluem o espaço, como defende o ambientalista espacial.
“A vontade de agir existe”
Há números que comprovam a urgência desta questão. De acordo com o Relatório do Ambiente Espacial de 2022 da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês), “mais de 30 mil pedaços de detritos espaciais foram registados e são regularmente rastreados por redes de vigilância espacial”. Mas o “número real de objetos com mais de um centímetro é provavelmente superior a um milhão”, alerta a agência.
Holger Krag, chefe do Gabinete de Detritos Espaciais da ESA, é da opinião que “o mundo está pronto para tomar medidas reais” de prevenção e ação para resolver este problema que pode privar “gerações futuras do uso do espaço”. “Trinta anos depois da fundação do Comité de Coordenação Interagências de Detritos Espaciais e duas décadas após a publicação das primeiras diretrizes de prevenção de detritos espaciais, todas as nações que querem viajar pelo Espaço estão cientes deste problema. A vontade de agir existe e muitas nações adotaram estas diretrizes de prevenção como lei nacional”, enquadra.
Mas ainda que haja vontade de agir, ressalva Holger Krag, “os acordos internacionais obrigatórios ainda não estão próximos da sua real aplicação”. Juntam-se a isso os “desafios técnicos que precisam de ser enfrentados, já que as taxas de sucesso na prevenção de detritos ainda são baixas”. “Geralmente, isso é resultado de fiabilidade técnica limitada, uma área para a qual queremos dar solução através do Programa de Segurança Espacial” da ESA, acrescenta. Prova disso é a inauguração do novo Centro de Segurança Espacial da ESA, que começou a funcionar em abril último.
A preocupação europeia é, também, a nacional. Em 2008, Portugal integrou ao programa Space Situational Awareness da ESA, tendo firmado o seu interesse nesta área anos mais tarde, em 2019, com a subscrição portuguesa ao Programa de Segurança Espacial na Cimeira Ministerial da Agência Espacial Europeia (Space19+), em Sevilha. Neste domínio, a Agência Espacial Portuguesa tem-se focado nas áreas da Meteorologia Espacial (Space Weather), Defesa Planetária e, claro, dos Detritos Espaciais (Space Debris).
Uma oportunidade de negócio?
A ClearSpace-1 (CS-1) é uma das missões da ESA que conta com uma expressiva presença portuguesa, com a indústria nacional a assumir uma posição dianteira nos desenvolvimentos tecnológicos de serviços em órbita. O lançamento da missão está marcado para 2026. A ESA desenhou-a – a primeira missão de remoção ativa de destroços, “desde o início, como um desenvolvimento de serviços comerciais”, explica Holger Krag. A ClearSpace-1 irá recolher, capturar e transportar para a reentrada na atmosfera um adaptador de carga útil, denominado Vespa. Uma vez recolhido, tanto o satélite ClearSpace-1 como o Vespa, com cerca de 100 kg e o tamanho de um pequeno frigorífico, serão destruídos na reentrada na atmosfera.
O desafio é, como o nome dá a entender, limpar o espaço — especialmente através da remoção de detritos maiores de órbita. Empresas como a Deimos Engenharia ou a Critical Software participam na missão e assumem papéis de liderança ao nível da orientação, navegação, controlo e do software de voo.
É como uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo que o lixo espacial apresenta riscos para a exploração espacial — e até para a astronomia —, e a remoção ativa de detritos tem ainda um longo caminho a percorrer, a gestão de lixo espacial assume-se como uma importante oportunidade.
O objetivo da missão ClearSpace-1, da ESA, é retirar detritos maiores do espaço. © ESA
Em Portugal, a recém-criada Neuraspace foca-se na gestão de lixo espacial e prevenção da colisão entre satélites e promete ser um dos novos unicórnios portugueses. Criada por Nuno Sebastião, a start-up foi incubada no Instituto Pedro Nunes, integra o ESA BIC Portugal e desenvolveu uma plataforma de Inteligência Artificial que monitoriza detritos espaciais e previne a colisão entre satélites (Leia mais).
Enquanto em Portugal a Neuraspace é liderada por ítalo-alemã Chiara Manfletti, na Alemanha é uma portuguesa que dá cartas na mesma área. A Vyoma, que tem como uma das suas cofundadoras a engenheira de Sistemas Espaciais Luísa Buinhas. A empresa alemã nasceu do “desejo genuíno de trabalhar em prol da sustentabilidade espacial” e de um “profundo respeito mútuo” entre todos os que ajudaram a fundar a Vyoma: “Partilhámos uma visão de como deveria ser o futuro do Espaço e isto impele-nos todos os dias a atingir este objetivo.”
O background de alguns membros da equipa, que trabalharam na ESA e que puderam “testemunhar em primeira mão como, de facto, detritos espaciais afetam missões” ou “como as operações atuais podem ser tornadas mais eficientes com mais informação e automatização” ajudou a que a Vyoma se posicionasse no mercado. Por sua vez, Luísa Buinhas desenvolveu “estudos de missões espaciais para a agência aerospacial alemã”, a Deutsche Zentrum für Luft- und Raumfahrt (DLR) e, anteriormente, especializou-se “em optimização de manobras de constelações de satélites”.
A engenheira de sistemas espaciais afirma que existe “uma oportunidade em gerir o tráfego em órbita”, já que “há cada vez mais congestionamento, devido a detritos existentes, entre objectos que foram gerados de colisões no passado e satélites inactivos, e devido a novas constelações que são lançadas semana após semana”. “Vivemos num mundo cada vez mais dependente de serviços espaciais ao mesmo tempo em que chegámos a um ponto de viragem: o espaço está simplesmente a tornar-se demasiado perigoso para se navegar com segurança”, adverte a cofundadora da Vyoma.
Assim, o objetivo da empresa passa por “resolver o desafio da sustentabilidade do espaço através da monitorização dos detritos espaciais a partir do espaço”. Luísa Buinhas adianta que a Vyoma vai lançar “uma frota de câmaras espaciais que podem determinar com muita precisão onde se encontram os detritos em relação a outros satélites”. “Combinamos os dados das nossas câmaras com Machine Learning para fornecer operações de satélite seguras e automatizadas a uma indústria atormentada com ineficiências e incerteza de dados”, acrescenta.
O Espaço como recurso natural
Além de atormentar a indústria, este problema afeta muito mais para lá da exploração espacial. “Podemos ver o espaço como um recurso natural. Há serviços que dependem fundamentalmente deste meio e que as pessoas, no geral, não se dão conta: previsão de tempo, emissão de serviços televisivos ou de Internet. Sem satélites, nem os aviões voam”, aponta Luísa Buinhas.
E “nada garante” que as infraestruturas espaciais, das quais muitas tecnologias dependem, não sejam atingidas por “um detrito” e, por isso, “podemos perder essa capacidade”, lembra Moriba Jah.
“E como o número de objetos no espaço está a aumentar, a quantidade de luz refletida desses objetos em geral aumenta também. Isso torna mais difícil para detetar coisas como asteroides e tudo o que poderia colidir com a Terra — e até acabar com a humanidade”, alerta o professor da Universidade do Texas.
Ainda assim, Moriba Jah acredita que existe “alguma esperança” — “Ou não estaria a fazer este trabalho.” Mas isto obriga a cooperação e entreajuda: “Creio que é possível reunir empatia em toda a humanidade e incentivar a compaixão para resolver estes assuntos.”