Controlo Remoto para Satélite da ESA desenvolvido em Portugal
A ESA vai lançar o primeiro Small Spacececraft Mission Service (SSMS), um serviço que visa reduzir os custos de colocar satélites em órbitra. A bordo seguem 53 satélites, incluindo o eSail, desenvolvido em colaboração com de duas empresas portuguesas.
Quando for libertado pelo lançador Vega na missão VV16, numa órbita síncrona ao Sol, a cerca de 500 quilómetros da superfície terrestre, o novo satélite do programa SAT-AIS (sistema de rastreio de embarcações de curto alcance) da Agência Espacial Europeia, estará a ser controlado a partir da estação terrestre de Svalbard, ilha do arquipélago norueguês com o mesmo nome. Uma operação que integra software desenvolvido pela empresa tecnológica Portuguesa Edisoft para controlo do eSail, um microssatélite que permite monitorizar navios a partir do espaço, uma parceria da Agência Espacial Europeia, a LuxSpace e a empresa Canadiana exactEarth.
Convidada inicialmente para adaptar o sistema operativo em tempo real, RTEMS by EDISOFT às especificidades do eSail, a empresa portuguesa acabaria por ficar também responsável pelo desenvolvimento de um sistema EGSE “Electrical Ground Support Equipment”. Além de testar a assemblagem e a integração de todos os sistemas a bordo do satélite, o EGSE permite ainda operar remotamente o satélite a partir da Terra.
“A LuxSpace (subcontratada da ESA) quis a nossa versão do RTEMS para o eSail e pediram-nos para fazer um treino para toda a equipa. Além disso, perguntaram se tínhamos interesse em desenvolver o EGSE, o sistema que permite testar os satélites ainda em terra”, explica Hélder Silva, diretor da Área de Software Espacial e Sistemas Embebidos da Edisoft. O EGSE é usado na fase de construção e assemblagem dos satélites, confirmando que os diversos componentes estão devidamente instalados e prontos a funcionar sem falhas.
O projeto com a LuxSpace, responsável pela construção do eSail, com o apoio da Agência Espacial do Luxemburgo e de outros estados-membro da ESA, começou em dezembro de 2014, mas só recentemente e já com o desenvolvimento do EGSE numa fase final avançaram para a adaptação deste mesmo sistema ao controlo remoto da operação. “Há pouco tempo percebeu-se que haviam necessidades de operação por parte da exactEarth, cliente final neste projeto, e surgiu a ideia de adaptar o EGSE à operação”, diz ainda Hélder Silva.
Foi neste momento do processo que outra empresa nacional foi chamada a colaborar no processo. A Evoleo Tecnologies foi responsável por coordenar as especificações técnicas e interface entre a Edisoft e a LuxSpace. Deu ainda suporte ao desenvolvimento e implementação do hardware do EGSE, diz Rodolfo Martins, CEO da Evoleo.
“A LuxSpace chegou até nós por referência da própria ESA, que sugeriu a Evoleo para coordenar o processo de desenvolvimento do EGSE, entre a Edisoft e a LuxSpace, por termos experiência prévia em outros projetos passados”, explica o mesmo responsável. Não foi esta, no entanto, a primeira vez que a PME portuguesa trabalhou em projetos da Agência Espacial Europeia. Rodolfo Martins recorda que a Evoleo está envolvida em projetos da ESA desde o primeiro dia da empresa, em Janeiro de 2007. Inicialmente, prestando um apoio limitado à Efacec, outra empresa portuguesa. Mais tarde a Evoleo colaborou no projeto TDP8 para o satélite Alphasat, liderado pela Efacec, que teve início em 2008, tarefa que Rodolfo Martins acredita “ter sido também decisiva” para o surgimento deste novo contrato.
Além disso, a Evoleo interveio ainda no desenvolvimento de interfaces entre software e hardware (drivers) e apoiou na especificação, arquitetura e desenho. A empresa deu ainda apoio à LuxSpace durante o desenvolvimento inicial da base de dados de comandos e telemetria do satélite.
“Relativamente ao software de suporte de voo, embora a colaboração geral com a equipa da LuxSpace fosse muito importante, a definição, desenho e implementação do software de controlo da placa de interface aos sensores e atuadores do satélite é, no nosso entender, crítica para o sucesso da missão, já que influencia a capacidade de manobra e controlo do satélite”, enfatiza o presidente da Evoleo.
Projetos para o futuro
A Edisoft espera agora poder vir a “integrar o EGSE em outros projetos da ESA para pequenos satélites” e que o sistema venha a ser explorado enquanto serviço, o que significa “testar pequenos satélites de outras empresas, de maneira a otimizar o que chamamos de ”New Space”, Hélder Silva diz mesmo que a Edisoft está já “em conversações avançadas com a ESA para migrar o sistema”.
A possibilidade de vir a assinar novos contratos, é, aliás, um dos mais maiores benefícios de participar no eSail. Com um contrato base na ordem dos 500 mil euros e o envolvimento, durante os últimos seis anos de uma equipa de dimensão variável, mas habitualmente com quatro elementos, Hélder Silva confirma que mais importante que o valor monetário do projeto é o reconhecimento alcançado. “Estamos habituados a trabalhar com standards muito exigentes no desenvolvimento de software e missões como esta tornam mais fácil sermos chamados para projetos de elevada complexidade”, afirma o diretor da Área de Software Espacial e Sistemas Embebidos diretor da Área de Software Espacial da Edisoft. E concluí: “O trabalho com o eSail abre-nos portas para projetos que tradicionalmente não estão ao alcance das empresas portuguesas, porque a forma como se desenvolve software crítico não é igual a desenvolver software para a banca ou telecomunicações”.
Rodolfo Martins partilha desta ideia de que o reconhecimento internacional é “claramente” mais importante. “O benefício financeiro é sempre necessário e bem vindo, e foi, mas na verdade o que importa é o reconhecimento”, afirma o presidente da Evoleo, recordando que o contacto da LuxSpace chegou pela ESA. Também a Evoleo antecipa que possam surgir novos contratos. “Na sequência desta atividade, as relações com a OHB na Alemanha (casa mãe da LuxSpace) e com a própria ESA cresceram, tal como a nossa lista de referências. Temos o entendimento de ser sempre parceiros, realçando que um parceiro satisfeito num negócio menos generoso no curto prazo atrai mais oportunidades no longo prazo”, assegura o presidente.
A presidente da Portugal Space, Chiara Manfletti, tem uma opinião semelhante: “A participação das empresas portuguesas nesta missão mostra que Portugal está a alargar o âmbito de atuação no quadro da ESA, uma vez que visa atividades de elevado potencial socioeconómico. A participação na ESA é uma prova do espírito europeu em Portugal, além de dar às empresas portuguesas um selo de qualidade para as tecnologias e serviços que produzem”.
Descodificar o eSail
O microssatélite criado pela LuxSpace, que será libertado no espaço durante a madrugada de domingo, faz parte do programa de microssatélites da ESA (SAT-AIS) e ampliará o alcance geográfico dos atuais sistemas terrestres de identificação automático (AIS na sigla inglesa). Este reforço tecnológico permitirá fornecer à Agência Europeia de Segurança Marítima (EMSA) a tecnologia e os dados necessários para criar a próxima geração de serviços de tráfego marítimo mundial. Tanto a ESA como a EMSA têm em mente o desenvolvimento de serviços de segurança marítima, tais como a prevenção da poluição por navios e a localização de mercadorias perigosas.
Com o eSail em funcionamento será possível eliminar os ângulos mortos existentes no atual sistema SAT-IAS, que se encontra limitado pela curvatura da terra a um alcance horizontal a cerca de 74 quilómetros da costa, o que faz com que a monitorização de tráfego fique reduzida às zonas costeiras ou a uma utilização de navio para navio. Fica assim reforçada a capacidade de monitorização de frotas pesqueiras e de proteção dos ecossistemas marítimos, e serão dadas às entidades marítimas e governamentais, bem como aos players industriais, maiores garantias de segurança operacional.
A constelação de microssatélites da ESA (SAT-AIS) recolhe, regista e descodifica a identidade, posição e rota, entre outras informações, de cada navio, sendo esta informação depois enviada para estações terrestres para processamento e distribuição. Qualquer navio com 300 toneladas ou mais em viagens internacionais e os navios carga de 500 toneladas ou superior em águas locais e todos os navios de passageiros, independentemente da dimensão, devem ter a bordo o chamado transponder, equipamento de AIS.
“O desenvolvimento do sistema SAT-AIS é um elemento importante para que o Espaço amplie e reforce o seu contributo para o crescimento e sucesso económico de um sector marítimo sustentável e seguro. Isto e a maturação de outras tecnologias tornarão possível o lançamento de veículos e plataformas marítimas autónomas e a navegação autónoma como solução e serviço de transporte”, afirma Chiara Manfletti, recordando que a criação de serviços de navegação autónoma é um dos projetos farol da Portugal Space. A presidente da Portugal Space lembra que o desenvolvimento de serviços de navegação autónoma são um dos projetos faróis da Portugal Space. Relativamente a esta questão diz ainda que “além da dimensão de segurança e proteção das atividades marítimas, será possível uma abordagem mais amiga do ambiente, mais eficiente e também menos sujeita a erros humanos, bem como possibilitará o surgimento de novos sectores alimentares baseados no oceano”.
Partilha de custos
O lançamento do eSail ficará na história também por outros motivos. Além de ser o primeiro voo realizado a partir do Porto Espacial Europeu em Kourou, na Guiana Francesa, depois de uma longa paragem motivada pela pandemia do Covid- 19, é também o voo que servirá para demonstrar e validar o modelo técnico e financeiro do novo serviço de lançamento partilhado de pequenos satélites criado pela ESA.
O chamado dispensador SSMS (Small Spacecraft Mission Service) será configurado de acordo com os clientes de cada missão, tendo capacidade para transportar desde CubeSats de 1 kg até minissatélites de 500kg. No voo de domingo o SSMS servirá 21 clientes, responsáveis por sete microssatélites e 46 CubeSats, que irão partilhar os custos de lançamento.
Este lançamento acontece no âmbito de uma parceria entre a ESA e a União Europeia, que financiou parcialmente a missão no âmbito do programa Horizon 2020. De acordo com um comunicado da Agência Europeia, “este novo serviço destina-se a desenvolver as tecnologias espaciais criadas na Europa, criando novas oportunidades de lançamento aos proprietários de pequenos satélites”, que pela partilha de custos têm acesso a uma operação mais acessível.