Euclid, a missão da ESA com olhos no Universo desconhecido, tem mão lusa
A missão Euclid, da ESA, vai olhar para as matéria e energia escuras e observará “mais de um terço do céu”,
produzindo “o mais vasto e exato rastreio a três dimensões de galáxias alguma vez realizado”. Portugal terá a liderança de observações
e várias empresas estiveram envolvidas no desenvolvimento de diversos instrumentos.
Os pontos luminosos que vemos no céu escuro suscitam, desde há milénios, o interesse da humanidade. Mas há muito, muito mais, para lá do que é visível — a olho nu ou não. Tanto que 95% do nosso universo seja composto por energia escura e matéria escura. Até hoje, nunca se conseguiu detetar diretamente nenhuma destas entidades incógnitas.
Sabe-se, sim, que não emitem nem absorvem luz, mas afetam o movimento e distribuição daquilo que vemos. Há um telescópio espacial que pode levantar o véu aos segredos que o desconhecido guarda: o da missão Euclid, da Agência Espacial Europeia (ESA na sigla inglesa). O lançamento está previsto para este sábado, 1 de julho, às 16h11 (hora de Lisboa), e pode ser acompanhado em direto.
É uma missão pioneira, sendo a primeira a dedicar-se a esta questão. “É como se fosse um salto no escuro e nos últimos 10 mil milhões de anos da história do Universo. Espera-se que represente um grande avanço nos campos da cosmologia e astrofísica”, aponta Marta Gonçalves, gestora de projetos educativos e científicos da Agência Espacial Portuguesa.
Ao longo de seis anos, o Euclid observará, ao todo, “mais de um terço do céu e produzirá o mais vasto e exato rastreio a três dimensões de galáxias alguma vez realizado”, como se lê no comunicado partilhado pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), cujos investigadores lideram parte da componente científica da missão.
Volvida mais de uma década de preparação, o telescópio prepara-se agora para descolar a partir do Cabo Canaveral, no estado da Flórida, Estados Unidos da América, a bordo do lançador Falcon 9, da Space X. Portugal participa nesta missão desde 2012, não só através do IA e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), mas também por via das empresas responsáveis pelo desenvolvimento de alguns dos instrumentos que seguirão a bordo do Euclid.
Ainda na componente científica, o IA e a FCUL fazem parte do grupo de rastreios do Consórcio Euclid, “organização que reúne 300 instituições de 17 países” e que “produziu o software que gera o cronograma das cerca de 50.000 observações que o telescópio efetuará durante os seis anos da missão”.
Ismael Tereno, investigador do IA e da FCUL, lidera a equipa que entregará à ESA “os planos de observação” do telescópio assim que este entrar na fase de operações. Prevê-se que as primeiras imagens do Euclid sejam divulgadas em novembro deste ano; já os dados científicos preliminares devem ser conhecidos em dezembro do próximo ano. . “Estes planos serão usados pelo centro de operações de voo para comandar o telescópio no espaço”, um trabalho contratualizado com a ESA e que tem o financiamento da Agência Espacial Portuguesa, conforme consta do comunicado do IA. “O papel que o IA desempenha nesta missão é mais um exemplo das competências que a academia portuguesa tem desenvolvido ao longo dos anos. Temos o conhecimento necessário para coadjuvar ou mesmo liderar operações com os maiores nomes europeus e, no fim, corresponder às expetativas”, frisa Marta Gonçalves.
É um trabalho bastante importante: “É previsível que grande parte da atividade científica dos centros de investigação europeus em cosmologia nos próximos anos esteja centrada na exploração dos dados da missão Euclid”, aponta Ismael Tereno.
Empresas portuguesas com contratos de 4,5 milhões de euros
Não só de ciência se faz a presença portuguesa na missão Euclid. “Há uma participação significativa e decisiva da indústria espacial nacional na componente industrial do Euclid”, afirma Ricardo Conde, presidente da Agência Espacial Portuguesa, sublinhando que “as empresas portuguesas assinaram contratos em valor superior a 4,5 milhões de euros”.
À semelhança do que acontece com a componente científica, também no desenvolvimento industrial vemos que as “empresas portuguesas envolvidas na missão contribuíram para evidenciar as capacidades e competitividade da comunidade espacial nacional. Uma vez, vemos a tecnologia e engenharia portuguesa associada ao ambicioso e exigente programa científico da ESA, o que muito nos deve orgulhar”.
Exemplo disso foi o fornecimento pela Thales Edisoft de “licenças e suporte de RTEMS para várias empresas envolvidas no desenvolvimento” do satélite”, diz fonte oficial da empresa, explicando que o RTEMS é “RTEMS é um sistema Operativo de Tempo Real usado nos sistemas de aviónicos a bordo de satélites, lançadores, naves, estações, sondas e cargas úteis (payloads)”. Paralelamente, uma equipa “de software embarcado foi também contratada pela Spacebel para desenvolver uma versão específica para o EUCLID, em que qualificámos o sistema operativo no hardware da missão, produzido pela Thales Alenia Space”.
Modelo estrutural e térmico do Euclid. © ESA–S. Corvaja
E se a ESA lança o Euclid com a garantia que o satélite está pronto para navegar sem contratempos é, em parte, graças ao contributo da Deimos. A empresa foi responsável pelo desenvolvimento e execução do simulador do sistema de controlo e altitude e órbita da (AOCS na sigla inglesa) da missão”. “Este simulador é um dos ambientes de teste que apoia o processo global de verificação e validação do Sistema de Controlo de Órbita e Atitude do Euclid, e que inclui todos os modelos da dinâmica da atitude”, diz fonte oficial da empresa. Na prática isto significa que ainda em terra, a ESA foi capaz de testar o satélite no contexto de simulação de todos os movimentos dinâmicos da missão, incluindo de translação, derramamento de combustível, apontamento da antena, entre outros.
O trabalho desenvolvido pela Deimos para o Euclid não se encerra nesta missão: “Permitiu-nos melhorar substancialmente a ferramenta, que temos vindo a utilizar para outras missões da ESA, não só de exploração, mas também de observação da Terra.”
Por seu lado, a Active Space Technologies desenvolveu alguns equipamentos de apoio terrestre (Ground Support Equipment [GSE]), como o “protótipo do Service Module do Euclid” onde serão instalados e testados os diversos instrumentos do telescópio. Filipe Castanheira, Business Developer da empresa, acrescenta ainda que a Active Space participou “no desenvolvimento e fabrico do sistema TT&C (Telemetry, Tracking and Command), especificamente no transmissor em banda K, que permite a comunicação de dados científicos do satélite para as estações terrestres”.
Outras empresas como a FHP – que volta a fornecer à ESA as proteções térmicas do satélite e a trabalhar no sistema de controlo térmico — e a GMV, também participam na missão. “Mais uma vez, prova-se que o ecossistema espacial português tem capacidade para competir e se afirmar internacionalmente”, conclui Ricardo Conde.
Portugueses na linha da frente
Começa a ser um hábito, mas tal como aconteceu com o lançamento da missão Juice, também com a missão Euclid se poderá ouvir falar português no Centro Europeu de Operações Espaciais da ESA (ESOC), na Alemanha, a partir de onde é feito o controlo dos engenhos em órbita, como sondas ou telescópios.
Tiago Loureiro, um dos diretores de voo do ESOC. © ESA / J. Mai
Tiago Loureiro é um dos diretores de voo adjunto do ESOC e pela primeira vez assumirá a responsabilidade de ser um dos diretores de voo. À Lusa, o engenheiro explicou que vai “coordenar o turno que monitoriza a contagem final antes do lançamento” do telescópio e que “volta à sala de controlo dez horas após o lançamento para continuar as operações iniciais da vida da missão”. Depois do lançamento do telescópio, há mais uma etapa: garantir que o telescópio “tem capacidade de gerar energia própria, de comunicar com a Terra e de manter sob controlo a sua órbita e altitude”.
Há mais três engenheiros portugueses a trabalhar na missão Euclid. José Mendes faz parte da equipa de controlo de voo no ESOC, sendo responsável pela definição de muitos dos procedimentos e da cronologia das operações. Já no Centro Europeu de Investigação e Tecnologia Espacial (ESTEC), na Holanda, encontram-se Luís Campos, engenheiro de software e operações, e Luís Venâncio, engenheiro ótico.