Missão Hera: A Contribuição Portuguesa na Defesa Planetária

A missão Hera é um exemplo de como a ciência, a inovação e a colaboração internacional estão a preparar a humanidade para responder a potenciais ameaças espaciais. Há três empresas portuguesas na linha da frente deste desafio.

Em Armageddon, filme de 1998 que se tornou um clássico, uma equipa luta contra o tempo para evitar que um asteroide destrua a Terra. Para que a ficção não se torne realidade, a verdadeira resposta à ameaça de um asteroide não está em explosões ou heroísmo improvisado, mas sim na ciência e na inovação. É aqui que entra a missão Hera, da Agência Espacial Europeia (ESA), que representa a componente europeia de um esforço internacional de defesa planetária e que será esta segunda-feira, 7 de outubro, lançada a bordo do foguetão Falcon 9 da SpaceX a partir do Cabo Canaveral, na Flórida.

Portugal desempenha um papel de destaque nesta missão pioneira, concebida para analisar um sistema de asteroides binários, Didymos e Dimorphos – um dos mais de 1,3 milhões de asteroides conhecidos do Sistema Solar -, através da inovação tecnológica das empresas TEKEVER, FHP e GMV, que desenvolveram soluções cruciais para o sucesso da missão.

Esta missão europeia vai avaliar o impacto da sonda DART, da NASA, que colidiu com o asteroide Dimorphos em 2022. A sonda Hera fará a primeira análise detalhada da cratera criada pelo impacto do DART e da alteração de órbita que o mais pequeno dos dois asteroides, que orbita o asteroide principal Didymos, sofreu nesse momento.

O primeiro teste de deflexão de asteroides da história, que teve como objetivo alterar a órbita de Dimorphos(um asteroide de 160 metros de diâmetro que orbita Didymos, o corpo principal do sistema com 780 metros de diâmetro) foi considerado um sucesso, mas, para garantir que a lição aprendida possa ser efetiva a desviar asteroides de diferentes tamanhos e estruturas que possam um dia ameaçar a Terra, os cientistas precisam de mais informações sobre o impacto e sobre o próprio Dimorphos.

Equipada com câmaras de alta resolução, altímetros laser e espectrómetros de infravermelhos, a sonda Hera irá mapear a superfície e estrutura interna de Dimorphos, permitindo estudar a eficiência do impacto cinético como método de defesa planetária. Esta colaboração internacional transforma a ficção numa estratégia real de defesa planetária, abrindo caminho para uma nova era de segurança no espaço.

A participação portuguesa foi possível após Portugal ter subscrito o envelope da missão, na Cimeira Ministerial da ESA Space19+ e mais tarde reforçado o mesmo na Cimeira Ministerial de 2022.

“A missão Hera é um marco importante para a defesa planetária, mas também para a Europa e para Portugal. A análise do impacto da sonda DART vai fornecer dados cruciais para entendermos a eficácia deste método e a replicação do mesmo para desviar asteroides que possam ameaçar a Terra. A participação portuguesa na missão demonstra a capacidade e talento do nosso ecossistema para contribuírem com tecnologias de ponta para este tipo de projetos de segurança espacial”, afirma Inês d’Ávila, gestora de programas de segurança espacial da Agência Espacial Portuguesa.

Comunicação, Navegação e Proteção

Para analisar Dimorphos de perto, a sonda Hera vai lançar dois CubeSats capazes de mapear a superfície em pormenor, caraterizar a poeira e avaliar a estrutura interna do asteroide. A missão Hera tentará depois aterrar no sistema de asteroides e efetuar mais medições.

Esta missão só é possível graças à contribuição da portuguesa TEKEVER, que desenvolveu um sistema inovador de comunicações entre satélites (ISL – Inter-Satellite Link) capaz de fazer com que os três comuniquem entre si e determinem a sua distância relativa.

“A solução de ISL foi baseada no GAMALINK que já vinha a ser desenvolvido para missões anteriores, nomeadamente para o Proba-3”, explica Pedro Rodrigues, diretor de Desenvolvimento Comercial da TEKEVER Space.

Ainda que seja a continuidade de desenvolvimentos realizados em missões espaciais anteriores, a missão Hera trouxe dois grandes desafios tecnológicos à empresa: a miniaturização e requalificação para plataformas CubeSat e a adaptação do protocolo de comunicações para suportar uma rede de três satélites. “O primeiro desafio foi superado, por um lado, trabalhando em conjunto com as equipas que desenvolveram os CubeSats, de modo a chegarmos a um desenho compatível, e, por outro, usando a capacidade da TEKEVER de efetuar testes ambientais (vibração e termo-vácuo) para validar e mitigar o risco desse mesmo desenho”, explica. Além disso, para responder ao segundo desafio, “foi necessário desenvolver um sistema de testes que recriasse a topologia da missão e validasse o desenvolvimento de software, mesmo após a entrega dos modelos de voo.”

Em paralelo, a GMV foi responsável pelo desenvolvimento do sistema autónomo de Orientação, Navegação e Controlo (GNC na sigla inglesa) da missão, que permite que a sonda Hera se aproxime até 1 quilómetro do asteroide Dimorphos. “O desenvolvimento de um sistema de GNC para asteroides é um enorme desafio – não só tecnológico, mas também humano”, explicou Francisco Cabral, líder técnico de Sistemas de Controlo de Atitude e Órbita (AOCS) da GMV em Portugal. Uma das principais dificuldades foi a navegação em condições de gravidade extremamente reduzida. “Qualquer erro de manobra pode ter consequências devastadoras e tivemos que desenhar e verificar um sistema capaz de realizar manobras com uma precisão de milímetros por segundo”, detalhou Francisco Cabral, destacando a necessidade de precisão em cada manobra. A elevada distância da Terra obriga a que algumas dessas manobras sejam calculadas autonomamente a bordo, recorrendo a imagens capturadas pelas câmaras a bordo.

“Estando tão perto do asteroide, este enche totalmente as imagens tiradas (roubando assim a perceção do seu centro), e foi necessário desenvolver um sistema inovador a que chamámos ‘rastreamento de características’ (do inglês feature tracking), que nos permitirá navegar a distâncias muito próximas.”

A missão Hera não seria possível sem uma proteção térmica eficaz, e foi exatamente essa a contribuição da FHP para a missão. A empresa forneceu a proteção térmica multicamada (MLI) para a sonda, fundamental para o desempenho durante toda a missão já que protege a sonda das temperaturas extremas do espaço e assegura o correto funcionamento ao longo da missão “A proteção térmica recobre praticamente todos os elementos externos (e alguns internos) da sonda pelo que o seu bom desempenho é fundamental para o bom desempenho da sonda”, afirmou Miguel Santos, da FHP, sublinhando que este contrato reforçou os laços da empresa com a OHB, o adjudicatário principal, com quem têm “vindo a colaborar há mais de uma década”, como teve igualmente “a possibilidade de trabalhar diretamente com a ESA numa missão defesa planetária, logo de relevância para a Humanidade”.

Miguel Santos destaca a necessidade de um design minucioso e montagem meticulosa para assegurar a estabilidade térmica da sonda, particularmente num ambiente espacial com temperaturas extremas. Além disso, o prazo apertado para a montagem representou um desafio adicional: “A FHP trabalhou desde o início num ‘contrarrelógio’ tanto na parte de design como na produção e montagem”.

 

Inovações e Impacto no Futuro Espacial

A integração destas tecnologias representa uma abordagem única na missão Hera e mostra a capacidade de inovação das empresas nacionais. Aliás, a missão só é possível graças ao sistema ISL desenvolvido pela Tekever: “A configuração inovadora da missão Hera, com 2 satélites mais pequenos respondendo a um satélite principal, só é possível existindo um ISL que lhes permita comunicar entre si” e o GAMALINK da TEKEVER é uma “tecnologia capacitadora para este tipo de missões”, diz Pedro Rodrigues.

Além disso, e perante as experiências pioneiras de rádio ciência que poderão iniciar uma nova vaga de missões científicas, a TEKEVER espera vir a estar envolvida em futuras “missões de defesa planetária que se sucederão ao Hera”, contribuindo “com todo o conhecimento reunido e tecnologia desenvolvida nesta missão”.

Este é um sentimento partilhado pela FHP, que espera que a experiência acumulada nesta missão sirva de base para a participação em futuras missões. “Apesar do objetivo da missão ser exploratório e demonstrar a capacidade de desviar o curso de um asteroide, acabamos por ser atores e ter o conhecimento para repetir este tipo de missões caso no futuro surja uma ameaça real”, afirma o responsável pela FHP, afirmando que esta foi igualmente uma oportunidade de melhoria de processos internos. “A FHP implementou melhorias nos seus processos para aumentar o grau de automatização de forma a reduzir o erro, recorrendo a ferramentas internas de automatização.” Por outro lado, “a FHP testou e prevê continuar a utilizar a realidade aumentada para melhorar a eficácia dos seus processos, nomeadamente nas fases de design, produção e montagem.”

Por fim, a tecnologia de GNC da GMV, que se inspirou em abordagens de veículos autónomos terrestres, abre caminho para futuras missões de defesa planetária em que a empresa está já a trabalhar. “Ao começar de uma base tão avançada, a GMV conseguirá desenvolvimentos mais rápidos e com maior confiança na sua qualidade”, concluiu Francisco Cabral, sinalizando o potencial de aplicação do sistema de navegação autónoma para além da defesa planetária.

“A missão Hera não é apenas uma oportunidade de testar novas tecnologias espaciais, mas também de demonstrar a excelência da engenharia portuguesa”, sustenta Inês d’Ávila, para quem “a contribuição de empresas como a TEKEVER, GMV e FHP mostra como Portugal está na vanguarda da inovação em áreas críticas como comunicações espaciais, navegação autónoma e proteção térmica”. “Cada uma dessas soluções é essencial para garantir o sucesso da missão Hera e, consequentemente, para preparar a humanidade para responder a potenciais ameaças espaciais no futuro.”

A missão Hera é um exemplo de como a ciência, a inovação e a colaboração internacional, com Portugal na linha da frente, estão a preparar a humanidade para responder a potenciais ameaças espaciais, transformando o desconhecido em oportunidades de conhecimento e proteção do planeta. Se tudo correr bem, a sonda Hera passará por Marte em março do próximo ano e alcançará o asteroide a mais de 177 quilómetros da Terra em dezembro de 2026.

Autor
Portugal Space
Data
7 de Outubro, 2024