Da engenharia do Ambiente à comunicação
de ciência — e de olhos no espaço

Sara Aparício chegou à ESA há seis anos através do programa Young Graduate Trainee. Apaixonada por regiões remotas e geladas, estuda os efeitos das alterações climáticas nessas zonas através dos dados da observação da Terra e da inteligência Artificial. Recentemente, usou os satélites para estudar os efeitos da Covid19 no Planeta.

É justo assumir que “as noites estreladas de verão” podem deixar qualquer um extasiado. As estrelas que acendem o céu escuro, abrem a porta ao fascínio pela incógnita do que ali se encerra — e Sara Aparício lembra-se de se sentir exatamente assim durante as noites das férias de verão na Costa Vicentina. O universo sempre lhe aguçara a curiosidade, bem como os meios que a humanidade foi encontrando para “explicar o inexplicável”. À parte disso, em casa “discutia-se física, matemática e o espaço” e os pais, tal como os irmãos, eram “apaixonados por ciência”. Daí que, agora, à cientista de dados de Observação da Terra na Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) seja difícil definir um momento-chave que explique o seu interesse pela ciência. Foi acontecendo e, ao mesmo tempo, “vem desde sempre”.

Não fosse esta vontade de perceber o mundo através das ciências exatas a sobrepor-se a qualquer coisa e hoje poderíamos estar a falar de uma artista. “No secundário, cheguei mesmo a fazer os exames para poder candidatar-me a Belas Artes, mas acho que seria um grande arrependimento não fazer carreira em ciência. Então preferi seguir esse caminho e fazer artes enquanto hobby”, explica a lisboeta a partir da comuna italiana de Frascati, onde se situa o Centro de Observação da Terra da ESA (ESRIN).

Sara Aparício chegou à ESA em 2016 através do programa Young Graduate Trainee, um estágio que oferece aos jovens a oportunidade de ganhar experiência no desenvolvimento de missões espaciais. Desde então, foi desenvolvendo e estudando a componente da observação da Terra. Recentemente, fez parte do projeto RACE (Rapid Action Coronavirus Earth Observation), que tem como objetivo monitorizar como a pandemia influenciou mudanças a nível ambiental (da qualidade da água e do ar) e na atividade humana (trânsito automóvel, tráfego aéreo, construção, produção agrícola).

A cientista foi, primeiro, engenheira: “Tirei Engenharia do Ambiente na Universidade Nova de Lisboa. É um curso que tem todos os building blocks científicos: engenharias, física, química e biologia. Tive a oportunidade de saber mais sobre o planeta através da componente geofísica, mas só depois percebi o que realmente gostava”, conta. Já lá vamos.

Sara no Centro de Observação da Terra da ESA (ESRIN). ©DR

Em Frascati, a lisboeta tem juntado o conhecimento adquirido na observação da Terra com a Inteligência Artificial, “que ajuda a fazer previsões com maior precisão”: “Um professor meu dizia algo que nunca esqueci: ‘Uma coisa é a previsão do tempo e a meteorologia, outra é tentar prever o clima daqui a dez anos. É magia negra!’” E se ainda não se consegue fazer essa previsão, “vemos que as que se fazem subestimam sempre os piores cenários”, frisa. Porque, na verdade, “o que aconteceria daqui a umas décadas já está a acontecer”.

 

Uma paixão gelada

Sara Aparício junta na tese de doutoramento que está a desenvolver desde 2020, a observação da Terra, a Inteligência Artificial e as alterações climáticas. Sara aplica estes temas ao estudo daquela que é uma “grande paixão”: a criosfera (regiões da superfície terrestre cobertas permanentemente por gelo e neve ou partes do solo que contêm gelo) e, mais em concreto, fenómenos sazonais ocorridos no gelo marinho.

Foi numa viagem à Gronelândia, à boleia de uma investigação científica, que Sara Aparício se apaixonou “à primeira vista” pelo Ártico. “Marcou-me de uma forma extrema. Tanto que, regressada a Portugal, logo procurou saber se, por cá, existiriam cientistas . Encontrou-os na APECS (Association of Polar Early Carreer Scientists) e, desde então, nunca perdeu “a ligação ao mundo do Ártico”.  “E sempre que arranjo uma oportunidade, vou lá!”, garante

Além de visitas a paisagens geladas, o trabalho desenvolvido na APECS também deu a Sara Aparício “uma competência desejável”: comunicar ciência com vários públicos, “de crianças de quatro anos a idosos de 80”. “Foi extremamente benéfico porque não tinha essa experiência e a partir daí fiquei sem medo de o fazer. Tanto que na ESA tive a oportunidade de dar a cara, na comunicação, pelo Sentinel-2b e 3b ou mesmo em parcerias da ESA com a Google.”

Com base na experiência, a cientista defende que não basta recolher dados — é preciso saber divulgá-los da melhor forma. Porque, para além de poderem ajudar “na tomada de decisões políticas” que têm em vista a conservação do meio ambiente, também ajudam a combater a desinformação: “É muito importante comunicar o que se aprende com os satélites. É preciso informar de forma clara a população geral, para evitar discursos negacionistas, não apenas relacionados com a pandemia, mas também com as alterações climáticas.”

Para além disso, repara, os serviços de observação da Terra, como o programa europeu Copernicus, ajudam a humanidade a ver o que realmente se passa “à sua volta”. Com os dados recolhidos pelos satélites, é possível comparar diferentes amostras ao longo do tempo, o que permite desenhar padrões que “mostram como as coisas mudaram ao longo das últimas décadas”, especialmente numa altura de emergência climática. E, mais do que isso, “temos uma visão geral da complexidade do nosso planeta” — de onde avistamos aquelas fascinantes noites estreladas de verão.

Autor
Portugal Space
Data
3 de Fevereiro, 2022