EarthCARE vai desvendar relação entre nuvens, aerossóis e radiação

A nova missão da ESA de Observação da Terra, EarthCARE, tem a participação do Laboratório de Deteção Remota da Universidade de Évora na validação de um dos instrumentos a bordo do satélite. A missão foi lançada com sucesso.

Peça a peça, o puzzle do clima vai-se montando. Com o tempo, passamos a saber mais sobre as complexas condições e os fenómenos atmosféricos. Mas ainda falta compreender de que forma as nuvens e os aerossóis afetam o equilíbrio energético da Terra — o que se revela particularmente importante perante as alterações climáticas. Essa é a função do novo satélite EarthCARE (sigla para Earth Cloud Aerosol and Radiation Explorer), da Agência Espacial Europeia (ESA) e da Agência de Exploração Aeroespacial Japonesa (JAXA), que foi lançado esta quarta-feira, 29 de maio, a bordo do Falcon 9 da SpaceX.  

“Esta missão foi desenvolvida no âmbito dos programas de Observação da Terra da ESA em colaboração com a JAXA, que desenvolveu um dos quatros instrumentos a bordo do satélite, e demonstra a excelência da tecnologia europeia, e como o Espaço permite avançar o conhecimento sobre o nosso planeta ao recolher informação a uma escala que de outra forma não seria possível.” refere Carolina Sá, gestora de programas de Observação da Terra da Agência Espacial Portuguesa. 

© Agência Espacial Europeia

 

A missão, a sexta do programa Earth Explorer da ESA, vai ajudar a descodificar as dinâmicas “entre nuvens, aerossóis e radiação”, assim como os “mecanismos de retroação” entre estes e a temperatura à superfície da Terra, contextualiza Maria João Costa, professora da Universidade de Évora e diretora do EaRSLab (sigla inglesa para Laboratório de Deteção Remota), que está “envolvido num projeto de validação de produtos” de um dos instrumentos do EarthCARE. O laboratório “tem uma forte componente de investigação em deteção remota na atmosfera”, precisamente focada “na compreensão dos efeitos radiativos de aerossóis e nuvens no clima”. 

 

O satélite separou-se do foguete 10 minutos após a descolagem.

 

O “maior e mais complexo satélite” das missões Earth Explorer da ESA, que foi desenvolvido no âmbito dos programas EOEP e FutureEO, conta com um “conjunto único de quatro instrumentos”, o que lhe permitirá ter uma “visão holística da interação entre nuvens, aerossóis e radiação”, aponta a agência. Para Maria João Costa, o satélite representa “um avanço significativo na observação da Terra”: está equipado com “instrumentos avançados, desenvolvidos com base em tecnologias atuais” e, além disso, herda “a experiência adquirida” nas missões anteriores. 

O laboratório de Évora está envolvido na validação do LIDAR Atmosférico (ATLID), o instrumento do EarthCARE que, recorrendo a medições através de laser, permitirá ao satélite fornecer “perfis verticais de aerossóis e nuvens finas”. Este trabalho inclui a participação das estações ACTRIS (sigla em inglês para Infraestrutura de Investigação de Aerossóis, Nuvens e Gases Residuais) que fazem parte do Consórcio para uma Infraestrutura Europeia de Investigação (ERIC).  

O satélite é ainda composto pelo Radar de Perfil de Nuvens (CPR) que fará “medições de perfis verticais de nuvens e velocidades verticais de partículas constituintes das nuvens”. Com o ATLID e o CPR, o gerador de imagens multiespectral (MSI) terá a função de obter informação tridimensional com “imagens sobre nuvens e aerossóis nas regiões espectrais do visível, infravermelho próximo e infravermelho térmico”. Por fim, o EarthCare dispõe de um Radiómetro de Banda Larga (BBR na sigla inglesa) que “medirá a radiação solar refletida e a radiação infravermelha emitida”, explica a docente universitária.  

 

© Agência Espacial Europeia

 

Juntos, os quatro instrumentos darão uma visão clara sobre a “distribuição vertical de aerossóis e partículas de nuvens, assim como das velocidades das gotículas e partículas que constituem as nuvens, juntamente com o balanço radiativo da Terra, o que nunca foi completamente observado em conjunto anteriormente”, acrescenta Maria João Costa.  

O novo satélite da ESA também conta com mão da indústria portuguesa. A Thales Edisoft Portugal, com larga experiência no desenvolvimento e integração de sistemas nos domínios da defesa e segurança, contribuiu com o RTEMS, um sistema operativo em tempo real desenvolvido e qualificado pela empresa junto da ESA para missões espaciais. Esta espécie de “Windows dos satélites” já foi utilizado em mais de 50 missões espaciais, desde o Galileo ao Solar Orbiter, passando pelo ExoMars Rover, Space Rider e Proba-3.

O EarthCARE “permitirá melhorar a representação dos processos atmosféricos em modelos de previsão meteorológica, do clima e do sistema Terra”. Com projeções climáticas e meteorológicas mais afinadas, mais informadas serão as tomadas de decisão sobre “estratégias de mitigação e medidas de adaptação às alterações climáticas”. Essa melhoria representa também “impacto significativo na prevenção de riscos”, uma vez que a informação disponível poderá ser “convertida em alertas emitidos pelas autoridades em tempo útil”.  

Pelo EaRSLab há expectativa e entusiasmo quanto ao futuro uso dos dados deste novo satélite, que darão “informação preciosa”, cuja compreensão “não só facilitará a implementação de estratégias de mitigação e adaptação às alterações climáticas, como trará maior capacitação para enfrentar esses desafios de forma mais eficaz”. E isso, como resume Maria João Costa, é uma “oportunidade para alargar a fronteira do conhecimento” para se resolver o quebra-cabeças das alterações climáticas.  

Autor
Portugal Space
Data
29 de Maio, 2024