Empresas portuguesas envolvidas em missão da ESA para explorar novos sistemas solares
ATUALIZAÇÃO: A sequência automática de lançamento do foguetão Soyuz-Fregat, que levará o Cheops para o espaço, foi interrompida 1h25 antes da descolagem. Uma nova data para o lançamento será divulgada em breve.
A Agência Espacial Europeia (ESA) lança esta terça-feira uma missão para estudar exoplanetas, isto é, planetas situados fora do nosso sistema solar, na qual estão envolvidas três empresas e um centro de investigação portugueses. O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço lidera, com a Deimos Engenharia, a componente científica do Cheops, a FHP vai garantir que os equipamentos aguentam a amplitude térmica extrema do espaço e há ainda a LusoSpace.
- O que é um exoplaneta? É um planeta fora do nosso próprio Sistema Solar, por vezes referidos como planetas extrassolar.
- “A missão Cheops vai medir o tamanho de exoplanetas com uma grande precisão, bem como observar outros pormenores, descobrir se os exoplanetas têm luas, se têm anéis, e também abrir uma porta para o desconhecido”, diz Nuno Santos, investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço e da Universidade do Porto (IA)
- O Cheops leva a cabo a primeira de uma série de três missões, que incluem ainda a Plato e a Ariel, planeadas para a próxima década, com o objetivo de abordar diferentes aspetos da investigação cientifica de exoplanetas.
“É como se fosse um trabalho de alfaiate. Tiramos as medidas, fazemos os padrões e com base nestes produzimos a ‘roupa’, depois fazemos uma prova para ver se está tudo bem. Se estiver tudo certo, avançamos com a instalação.” Miguel Santos faz parecer simples o trabalho minucioso que o tem envolvido a ele, e a uma equipa de mais seis pessoas da portuguesa FHP (Frezite High Performance). A “roupa” são as proteções térmicas usadas no telescópio ótico do Cheops (CHaracterising ExOPlanet Satellite), o satélite que a ESA vai enviar para o espaço na próxima terça-feira, 17 de dezembro, produzidas no Porto e instaladas no satélite que foi montado no centro da Airbus Space and Defense, nos arredores de Madrid.
Na primeira missão da ESA para estudar planetas extrassolares, também conhecidos por exoplanetas, a FHP desenhou e produziu as proteções conhecidas como isolamento multicamadas (MLI, na sigla inglesa), que permitem que a estrutura do telescópio, o radiador e a mesa ótica possam suportar a amplitude térmica extrema do espaço, que varia entre as elevadas temperaturas provenientes do Sol ou o zero absoluto (cerca de -270.º C) no lado oposto ao Sol.
“A eletrónica é muito sensível à temperatura, até os componentes eletrónicos que usamos no dia-a-dia não podem ser sujeitos a altas temperaturas, e os MLI servem para manter um ambiente confortável para que os equipamentos consigam funcionar.” Desde 2007 que a FHP (empresa de capital 100% português) trabalha para missões da ESA, tendo no currículo a produção dos MLI de alguns dos instrumentos do ExoMars TGO (Trade Gas Orbiter) e o módulo EDM (Entry, Descent and Landing Demonstrator Module) o que, diz Miguel Santos, “deu à empresa uma certa notoriedade no segmento dos revestimentos térmicos no nosso pequeno universo”.
As instalações da empresa no Porto contam com uma “sala limpa”, um pouco à semelhança de um bloco operatório. “Nos hospitais há uma preocupação maior com a componente bacteriológica, aqui estamos mais preocupados com as partículas, porque se estas forem parar à eletrónica podem produzir curtos-circuitos, ou se uma partícula for parar ao meio de uma câmara que está a fotografar os astros acabamos por não ter o efeito pretendido”, explica Miguel.
A cooperação europeia
Se encontrar exoplanetas esteve longe de ser uma missão fácil – o primeiro foi descoberto apenas nos anos de 1990, três décadas depois do início da corrida espacial – a sua caracterização, por via da definição do tamanho, forma, composição ou parâmetros orbitais, é um desafio ainda maior. Procurando conhecer quais as condições para a formação de um planeta e o aparecimento de vida, a ESA vai lançar o minissatélite Cheops, que será um dos passageiros secundários do Soyuz-Fregat, foguetão que vai ser lançado do porto espacial europeu em Kourou, na Guiana Francesa, às 9h45 CET (8h45, hora de Lisboa).
A subsidiária espanhola da Airbus Defence and Space foi responsável pelo design da nave espacial, enquanto os elementos essenciais da missão foram entregues a um consórcio 11 Estados-membro, liderados pela Suíça, em particular a Universidade de Berna. A estrutura mecânica foi construída na Suíça, o plano focal montado na Alemanha, o deflector na Bélgica, os instrumentos óticos em Itália, a unidade de processamento de dados na Áustria e os radiadores na Hungria. A Portugal, e além do trabalho da equipa da FHP, coube desenvolver o software de planeamento da missão, que permitirá programar as observações do satélite.
A liderança portuguesa
O Cheops tem como objetivo principal a observação de estrelas brilhantes e que já sejam conhecidas por terem exoplanetas na sua órbita. O satélite está equipado com instrumentos que permitem a monitorização de alta precisão do brilho de cada uma destas estrelas, com os cientistas a procurarem sinais indicadores do “trânsito” à medida que um planeta passa na face da estrela, o que permitirá medir o raio dos planetas. No caso dos planetas com massa já conhecida, será avaliada a densidade, podendo fornecer informações sobre a sua estrutura interna.
Uma vez lançado ao espaço, o Cheops estará disponível para observar a lista de exoplanetas definidos pela equipa científica da missão, composta por investigadores associados ao consórcio e que terão acesso a 80% do tempo de observação do satélite, que tem prevista uma missão de três anos. É aqui que entra o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço e a Deimos Engenharia.
“Desenvolvemos dois dos componentes mais importantes do centro científico do Cheops, sendo o principal o sistema de planeamento, que vai recolher todos os pedidos de observação da comunidade científica ao longo da vida útil do satélite”, diz Nuno Ávila, diretor-geral da Deimos Engenharia. O mesmo responsável explica que o sistema permite “organizar de forma ótima” todos os pedidos “para que o telescópio consiga assegurar o maior número possível de observações ao longo da sua vida útil”. Nos três anos e meio previstos para a missão, estimam-se que venham a existir entre três e cinco mil pedidos, que podem ir desde observar uma estrela numa determinada hora e data ou a monitorização de uma estrela durante semanas, por exemplo.
Nuno Santos, que representanta de Portugal no Board da missão do Cheops, lembra que “já se conhecem cerca de 4.000 planetas a orbitar outras estrelas, já sabemos que o sistema solar não é único no universo, mas há muitas perguntas em aberto”.
Há anos que Nuno tem como tema de estudo os exoplanetas, trabalhando para que a humanidade seja capaz “de detetar planetas parecidos com a Terra a orbitar outras estrelas parecidas com o Sol, estudar em detalhe a sua composição, a sua atmosfera, e um dia, eventualmente, descobrir outro planeta que tenha sinais de presença de vida”.
Nuno Santos diz que o IA entrou na missão do Cheops “pelo networking científico” alcançado pelo envolvimento na criação do espetrógrafo Espresso, instrumento instalado em 2017 no megatelescópio VLT e conhecido como o “caçador de planetas da próxima geração” –, que permite medir a massa dos astros. Chamados pelo consórcio para esta nova missão, o investigador diz ter chamado a Deimos Engenharia para o projeto por ser uma referência nesta área. “Em conjunto conseguimos o financiamento necessário para participar na missão com um papel de liderança.”
Além do sistema de planeamento o IA e a Deimos desenvolveram o arquivo e o sistema de disseminação de dados e de catalogação de todas as informações que foram recolhidas das várias estrelas para que possam estar disponíveis para a comunidade científica atual e futura. Foram ainda responsáveis por parte significativa do sistema de redução e análise de dados.
Nuno Ávila e Nuno Santos reforçam a ideia que o sistema desenvolvido teve por base “conhecimento que já tinha sido desenvolvido por múltiplas missões científicas da ESA e dos satélites Deimos-1 e Deimos-2”, o que a própria Agência explica com o facto de se tratar de uma missão de classe S (Small), com um orçamento inferior ao habitual e com prazos mais curtos. Isto obriga à utilização de tecnologias que foram testadas anteriormente no espaço. “A comunidade científica está habituada a resolver os seus problemas de raiz e desta forma tivemos inúmeros ganhos de eficiência”, diz Nuno Ávila, reafirmando que tal “permitiu cortar os tempos de desenvolvimento e o custo da missão para o mínimo”. O facto do satélite ser enviado como passageiro secundário no foguetão também condicionou uma série de pormenores do design.
A equipa científica do Cheops conta ainda com a presença dos investigadores Susana Barros, Sérgio Sousa e Olivier Demangeon, também eles investigadores do Instituto de Astrofísica, que atualmente conta com uma equipa de mais de 20 investigadores e estudantes de doutoramento a trabalhar em exoplanetas.
A participação portuguesa na missão espacial Cheops encerra-se com a presença da LusoSpace. A startup especializada na indústria do Espaço foi responsável pelo fornecimento de dois magnetómetros – sistema usado na medição da força e direção do campo magnético da terra – que serão usados na navegação do satélite.
A missão do Cheops
- Primeira pequena missão do programa científico da ESA . As chamadas missões S-Classe têm um orçamento mais reduzido e um prazo de concretização muito mais curto do que as missões grandes ou médias
- Uma missão científica pequena, flexível e acelerada
- Importante passo na caracterização de planetas com tamanhos variáveis entre a Terra e Neptuno
- Avaliar qual a composição dos pequenos planetas e como estes se formaram e evoluíram
- Medir as dimensões de exoplanetas conhecidos
- Identificar os melhores alvos para futuras observações aprofundadas
- Pensada à medida para garantir um elevado retorno científico com um pequeno investimento
[Fonte: ESA]
Temas científicos a abordar
- Foco no estudo de estrelas brilhantes hospedeiras de exoplanetas com um tamanho variável entre a Terra e Neptuno
- Uso de um fotómetro de alta precisão para medir com precisão planetas com um tamanho variável entre a Terra e Neptuno
- Associar os instrumentos de medição do Cheops com a informação existente sobre a massa dos planetas para determinar a sua composição e estrutura
- Identificar alvos para pesquisar
[Fonte: ESA]
Dados relevantes
- Dimensões: 1,5×1,5×1,5m
- Massa de lançamento (incluindo propulsor): 280 kg
- Download link: 1,2 GB de informação por dia.
- O Cheops será lançado como passageiro secundário do foguetão Soyuz-Fregat a partir do porto espacial europeu em Kourou, na Guiana Francesa.
- O foguete colocará o satélite diretamente na órbita hélio-sincrona em que este irá operar a cerca de 700 km de altitude. Esta órbita permite que a retaguarda da nave esteja permanentemente direcionada para o Sol, garantindo um ambiente térmico estável, mantendo a luz solar no mínimo enquanto o telescópio está a observar alvos noturnos na direção oposta ao Sol.
- Equipamento com um fotómetro de alta precisão baseado num telescópio Ritchey-Chrétien de 300 mm de abertura efetiva e num único CCD, operando sobre comprimentos de onda visíveis a infravermelhos próximos (330 a 1100 nm)
[Fonte:ESA]
Lançamento:
17 de dezembro, 9h45 CET / 8H45 hora de lisboa
Live streaming: esa.int/ESA_Multimedia/ESA_Web_TV
Sobre a Portugal Space
A Agência Espacial Portuguesa, Portugal Space, é uma organização privada sem fins lucrativos, criada pelo Governo Português, em estreita colaboração com o Governo Regional dos Açores. O principal objetivo da Portugal Space é executar a estratégia “Portugal Space 2030”, promovendo e fortalecendo o ecossistema espacial e a cadeia de valor em Portugal em benefício da sociedade e da economia através de um conjunto de domínios de intervenção, nomeadamente Observação da Terra, Telecomunicações, Segurança Espacial e Transportes Espaciais, e permitir que, até 2030, Portugal seja amplamente reconhecido como uma autoridade global na ciência e economia das interações Espaço Terra-Terra-Clima/Oceanos.