Há 20 anos, a Lusospace fez o impossível
— agora, é um caso de sucesso
A empresa de engenharia aeroespacial foi fundada em 2002, quando “fazer hardware para o Espaço em Portugal não era possível”. Passo a passo, a Lusospace tem vindo a crescer, distinguindo-se pela multidisciplinaridade da sua equipa e a deixando a sua marca em diversos projetos e missões.
Quando, em 2002, Ivo Vieira e os seus dois sócios lançaram a Lusospace, houve quem dissesse que “fazer hardware para o Espaço em Portugal não era possível”. Mas os fundadores da empresa portuguesa ignoraram os velhos do restelo, prontos para demonstrar que a sorte protege os audazes. Apontando o magnetómetro em direção ao futuro, criaram uma empresa que 20 anos depois tem três dezenas de funcionários, clientes internacionais e uma carteira de projetos inovadores.
Num país habituado a atividades mais tradicionais, com uma economia que lentamente abandonava o sector primário e em que as indústrias tecnológicas davam os primeiros passos, obter apoio financeiro foi, por si só, uma aventura. “Quando abordámos a banca portuguesa para obter financiamento de suporte, houve muita desconfiança sobre esta área do Espaço. Eles estavam habituados a financiar restaurantes e construção civil”, conta o CEO da empresa de engenharia aeroespacial.
Ivo reconhece que a Lusospace soube tirar partido das oportunidades que se abriam com a recente entrada de Portugal na Agência Espacial Europeia (ESA na sigla inglesa), que acontecera dois anos antes. “A criação da task force ESA/Portugal ajudou empresas, universidades e centros de investigação nacionais a conseguirem contratos com a ESA sem ter de concorrer com empresas europeias que tinham uma vantagem enorme em relação a nós”, recorda Ivo Vieira. Foi nessa altura que deram os primeiros passos naquele que viria a ser o produto estrela da Lusospace: “Iniciámos com um pequeno projeto que consistia num estudo de viabilidade económico-financeiro para o desenvolvimento de um magnetómetro”.
Magnómetro MAG28, desenvolvido pela Lusospace. © Lusospace
Os magnetómetros são uma espécie de bússolas espaciais que permitem orientar e monitorizar a posição dos satélites em tempo real, por via do cálculo do campo magnético. Sem reinventarem a roda – a tecnologia já estava testada e em uso – o magnetómetro da Lusospace integrava um chip de tecnologia AMR (Anisotropic Magnetoresistive), que até então nunca tinha sido usado no espaço.
O MAG28 da empresa portuguesa já foi usado em três missões diferentes da ESA, incluindo o Probra-2, e o seu sucessor (MAG15), desenvolvido “para se adaptar à plataforma dos satélites de alguns dos maiores integradores europeus, como o Airbus Defense & Space segue o mesmo caminho de sucesso, “tendo já sido fornecido para 13 missões”. Contam-se entre estas várias missões de satélites da família Sentinel e o CHEOPS.
“Sair sempre da zona de conforto”
Agora, olhando para trás, Ivo Vieira acredita que a Lusospace foi crescendo, “passo a passo”, através da “capacidade e valências” multidisciplinares da equipa, capaz de “responder às necessidades intrínsecas dos projetos na área aeroespacial”. A Lusospace emprega cerca de 30 profissionais, divididos pelas disciplinas de Aeroespacial, Física/ Ótica, Eletrónica, Mecânica/ Térmica, Software/ Firmware e Product Assurance. “Saliento também que a LusoSpace trabalha frequentemente em projetos únicos de I&D, o que requer que uma considerável percentagem dos nossos profissionais tenha um elevado nível académico, com Mestrado e/ ou Doutoramento”, acrescenta Ivo Vieira.
A “notável” diversidade de áreas de conhecimento da equipa da Lusospace diferencia a empresa de outras do mesmo domínio, considera o CEO. “Com uma equipa pequena, tanto trabalhamos em instrumentação como em realidade aumentada, em comunicações óticas e em constelações de satélites. Na verdade, isso deve-se ao nosso espírito muito empreendedor e inovador que nos faz sair sempre da zona de conforto”, completa. Mas a empresa também se distingue pela “componente ótica/ fotónica”: “Embora já existam várias empresas europeias nessa área, continua a ser uma área menos concorrida do que a área da mecânica, da eletrónica e do software.”
Há “projetos promissores” com o selo da empresa nos próximos tempos. © Lusospace
Entram também nesta lista a fonte de laser pulsada Pulsed Laser Transmitter, bem como o Laser Head Amplifier (que é “parte integrante do sistema que tem como objetivo provar uma das teorias de Einstein, a existência de ondas gravitacionais”, da missão Laser Interferometer Space Antenna (LISA), da ESA). Por último, Ivo Vieira indica o “desenvolvimento, manufatura e validação de um conjunto de equipamentos usados para verificar”, numa primeira fase “o correto alinhamento ótico dos cinco espectrómetros (UV, VIS, NIR, SWIR-1 e SWIR-3) que compõem o instrumento Sentinel-5”, satélite do programa de Observação da Terra europeu, o Copernicus; “numa segunda fase (C&C), a caracterização e calibração ótica do Instrumento Sentinel-5”, acrescenta.
A Lusospace promete não ficar por aqui. Ivo Vieira garante que há “projetos promissores” com o selo da empresa nos próximos tempos. Exemplo disso é o “desenvolvimento do Optical Ground Support Equipment (OGSE) para a missão FORUM da Agência Espacial Europeia”, ou a participação na missão ClearSpace-1, integrada no consórcio liderado pela Deimas. Naquela que promete ser uma missão histórica, com um serviço único: a remoção de um item de detritos espaciais da órbita da Terra, a Lusospace “assegurará que todos os fornecedores de componentes dos sistemas GNC satisfazem os diferentes requisitos”.
No portefólio da Lusospace, a realidade aumentada surgiu quando a empresa se preparava para entrar na adolescência. Ivo conta que a celebração do 10.º aniversário “foi uma oportunidade renovar a marca e fortalecer o posicionamento em ótica e realidade aumentada”. Agora, a empresa pretende concentrar-se “no desenvolvimento de uma solução de hardware disruptiva e no fornecimento de uma framework para digitalizar/ otimizar as atividades de Assemblagem, Integração e teste (AIT)”. Traduzindo? Usando realidade aumentada, a Lusospace está a replicar todo o processo de AIT antes de avançar para a produção efetiva de produtos e/ou serviços.
No horizonte da Lusospace estão ainda as comunicações óticas e quânticas. “São áreas de futuro e sabemos que é agora que temos que apostar nelas para ganharmos vantagem competitiva”, diz o CEO da empresa.
Por outro lado, a Lusospace também se encontra a preparar, “através de um estudo com a ESA, a GMV, o AIR Centre e a Marinha Portuguesa”, a futura “constelação atlântica de 16 satélites para observar os oceanos”. “Temos a ambição de sermos um integrador de satélites. Já o fazemos com sistemas complexos e só nos falta este passo para subir na cadeia de valor”, afirma Ivo Vieira.