Hugo Messias: um astrónomo português no Chile

Investigador português fez parte da vasta equipa internacional que revelou ao mundo a primeira imagem alguma vez obtida da sombra de um buraco negro. Hoje continua a investigear o universo no ALMA.

Houve um momento na vida de Hugo Messias em que a balança podia ter pendido para uma carreira de artes, mas quando se desfia a memória é fácil perceber que o destino estava traçado há mais tempo. Apesar de se recordar dividido entre a ciência e a arte, há vários momentos na infância do agora astrónomo português a trabalhar no ALMA (Atacama Large Millimeter Array) que ajudam a perceber que havia um caminho delineado. 

Houve uma noite, em casa de um colega, em que alguém lhe mostrou que aquele ponto brilhante no céu era Vénus e da qual Hugo recorda “a emoção de conseguir ensinar algo às outras pessoas”. Anos mais tarde, os pais ofereceram-lhe um telescópio que usou pela primeira vez em casa dos avós, no Ribatejo: “A partir do momento em que se aponta para as duas primeiras estrelas e se descobre que afinal são planetas, uma pessoa percebe o entusiasmo da descoberta”. Uma excitação que ainda hoje lhe marca os dias: “É esta curiosidade que te mantém nesta área. As únicas coisas que levam uma pessoa para fora da área da astronomia são questões pessoais ou societais. Não imagino uma pessoa cansar-se da astronomia.. 

Principalmente quando no currículo tem já uma das mais fascinantes descobertas recentes da humanidade. Há três anos, Hugo Messias foi um dos cerca de 200 cientistas que trabalharam para levantar o véu sobre um dos maiores mistérios da ciência, dando ao mundo a primeira fotografia da sombra de um buraco negro. 

“Cheguei ao ALMA, em 2016, e em janeiro de 2017 estava na equipa que fez as observações de teste do EHT [(Event Horizon Telescope])” apontando para o centro da galáxia Messier 87, a 55 milhões de anos-luz da Terra. “Estava na hora certa no local certo e envolvi-me com as pessoas certas”, recorda agora a partir da sua casa em Santiago do Chile. Mas a sorte dá muito trabalho, e para lá dos anos de estudo, há a somar as longas horas passadas “a preparar e executar as observações, a fazer o código que nos dizia quais eram as antenas de referência que era melhor usar, entre outros”.  

Hugo foi um dos astrónomos que operaram o ALMA para observar a galáxia Messier 87 em conjunto com as outras sete estações do EHT. As antenas são na verdade radiotelescópios, cada um com 100 toneladas de peso, colocadas a 5.000 metros de altitude, na região do árido planalto de Chajnantor, a leste de São Pedro de Atacama. 

Com a licenciatura (Física, ramo Astronomia/Astrofísica) e o doutoramento feitos na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Hugo Messias partiu em 2011 para a Universidade de Concepción, no Chile, onde fez um pós-doutoramento. Voltou a Portugal dois anos depois, com uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia, como cientista responsável no Centro de Competências Português para o ALMA. Enquanto promovia o uso dos dados do ALMA pela comunidade científica portuguesa, ainda dedicou “uma pequena fração” do seu tempo à investigação científica, focada em particular nas propriedades de gás e poeira das explosões de estrelas empoeiradas em galáxias. 

Hugo acabaria por regressar ao Chile, desta vez para viver na capital, mas com muitas viagens ao Deserto de Atacama. Foi nessa altura que integrou o grupo de Interferometria de Linha de Base Muito Longa (VLBI na sigla inglesa) do ALMA e que ajudou a fazer história. A fotografia do buraco negro seria publicada quando estava praticamente a terminar o terceiro pós-doutoramento, sem saber como se escreveria o futuro, mas o deslumbramento que lhe trouxe aquele momento já lhe pertencia.  

“Pela forma como vimos a sociedade em geral animar-se com o resultado da investigação percebemos que aquilo que fizéramos ia muito além do que alguma vez tínhamos visto”, afirma Hugo Messias. Para sublinhar essa ideia, diz que o habitual é que uma descoberta “excitante” para os astrónomos “é assunto para as outras pessoas por dois ou três dias”. “Depois mostramos a primeira imagem da sombra de um buraco-negro e vimos como isso durou bem mais que uma semana.” A Hugo ainda lhe valeria a Medalha do Senado Chileno e o prémio GQ Men of the Year, na categoria Ciência, em 2019. 

Hugo mora em Santiago do Chile desde janeiro de 2020 – depois de ter passado alguns meses em Portugal, com a mulher e o filho de um ano. Ao contrário do que se poderia pensar, trabalha “maioritariamente de dia”, dedicando cerca de 70% a trabalho técnico e o restante à investigação.  

Quando não está a preparar ou a executar observações do ALMA, quando não está a fazer a sua própria investigação em Propriedades do gás e da poeira em galáxias poeirentas com formação estelar explosiva com forte emissão rádio, Hugo contribui para divulgação da astronomia, seja no Chile, seja em Portugal. É membro do departamento de educação e património da União Astronómica Internacional, colabora com atividades de sensibilização promovidas pelo ALMA e pelo ESO no Chile, colabora com a portuguesa Ciência Viva e continua a participar nas atividades criadas pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) para o público em geral.  

E quando, por fim, as estrelas não lhe ocupam o pensamento, luta judo, dança o tango e o forró e faz caminhadas nas montanhas que rodeiam Santiago do Chile. “O mau de Santiago é ser uma cidade com sete ou oito milhões de pessoas, o bom é que logo ao lado existem as montanhas. Em 25 minutos estou a fazer uma caminhada que me pode levar aos 2.500 ou aos 5.000 metros.” 

Autor
Portugal Space
Data
28 de Abril, 2022