JUICE, a missão da ESA que vai a Júpiter,
tem “sumo” português dentro

Missão interplanetária vai estudar o gigante planeta gasoso e as suas luas geladas. Várias empresas portuguesas contribuíram para o JUICE, que partiu no dia 13 de abril para o Espaço e que chegará ao seu destino daqui a oito anos. O português Bruno Sousa é um dos diretores de voo desta missão.

A Europa já se pôs a caminho (e pela primeira vez) do maior planeta do Sistema Solar. O JUICE (acrónimo de JUpiter ICy Moons Explorer), missão da Agência Espacial Europeia, vai explorar Júpiter e três das suas quatro maiores luas, que poderão esconder oceanos e, quem sabe, ter (ou ter tido) vida. O JUICE voou a bordo do foguete Ariane 5, a partir do Porto Espacial Europeu, em Kourou, Guiana Francesa. A descolagem da missão estava prevista para dia 13 de abril, mas, devido a condições climatéricas adversas, foi adiada para o dia seguinte, 14 de abril, às 13h14 (hora de Lisboa).

A aventura conta com significativa participação portuguesa, tanto por parte da indústria como na operação de voo. O satélite inclui componentes fabricados pelas empresas LusoSpace, Active Space Technologies, DEIMOS Engenharia, FHP — Frezite High Performance, Efacec e Celestia, bem como um instrumento concebido em parte pelo Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP). O presidente da Agência Espacial Portuguesa, Ricardo Conde, salienta que “a participação portuguesa nesta missão se traduziu, no total, em contratos de 5,4 milhões de euros para as empresas envolvidas”. “Este volume contratual indica que o Espaço é o setor do futuro e que existe, em Portugal, capacidade de resposta e de participação às ambições internacionais. A contribuição nacional no Juice espelha, uma vez mais, que este é um setor em contínuo crescimento”, acrescenta.

Este é, também, mais um esforço europeu na exploração interplanetária: o JUICE juntar-se-á às missões da ESA que já exploraram Vénus, que estão a explorar Marte e que vão explorar Mercúrio. Agora, a Europa chega ao gigante que é 11 vezes maior do que a Terra. A missão é liderada pela ESA, que conta com os contributos da NASA e da JAXA (Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial).

A viagem é longa — o JUICE só deverá chegar ao seu destino em julho de 2031— e a expectativa é alta. Realizando observações detalhadas sobre o gigante gasoso e as luas Calisto, Europa e Ganimedes, a missão servirá ainda para caraterizar estes satélites como objetos planetários e possíveis habitats. Por debaixo das crostas geladas de Europa e Ganimedes (e, eventualmente, Calisto) é possível que haja oceanos de água gelada.

Patrícia Gonçalves, investigadora e diretora do LIP, acompanhará o lançamento da missão a partir de Darmstadt, na Alemanha, na qualidade de chefe de projeto do RADEM, um “instrumento que foi desenvolvido com participação portuguesa (EFACEC e LIP)” em cooperação com a “empresa norueguesa Ideas e o instituto de investigação suíço Paul Scherrer”. A também professora associada do Instituto Superior Técnico explica que o LIP esteve envolvido no desenvolvimento de um “Detector de Direccionalidade (DD), um dos subsistemas que faz parte do RADEM”, um instrumento que serve “para medir o ambiente de radiação ionizante a que o satélite vai estar sujeito durante a sua trajetória, podendo enviar sinais de aviso para que se possam proteger os outros detetores e sistemas” do JUICE.

O LIP apoiou ainda a EFACEC “em todas as questões científicas relacionadas com o desenho, blindagem e desepenho do RADEM, que é de facto um detetor de partículas”. Esteve ainda envolvido “na análise de dados de teste e calibração com feixes de partículas do RADEM, incluindo dos sub-sistemas de detecção de protões, eletrões, e iões e não apenas no detector de direccionalidade”, bem como na verificação da radiação a que o satélite estará sujeito, e na produção das estruturas de blindagem que irão proteger os vários componentes mais sensíveis da radiação. Em resumo, garantir o funcionamento do JUICE durante toda a missão.

 

Um momento oportuno

A Lusospace junta-se a esta ambição. A empresa de engenharia aeroespacial, com sede em Lisboa, não é estranha a missões da ESA —  o seu magnómetro MAG28 já foi usado em três missões diferentes da agência, incluindo o Probra-2 —, mas esta é a sua “primeira contribuição numa missão interplanetária”.

Desta vez, a Lusospace participa no estudo de duas das luas de Júpiter,  nomeadamente na medição de um elevado número de propriedades físicas do seu campo magnético. A empresa desenvolveu “um sistema que permite a calibração” dos vários magnetómetros científicos, chamado JACS (J-MAG Alignment and Calibration System). Estes magnetómetros são parte essencial da missão uma vez que, “colocados a uma distância de cerca de dez metros da sonda JUICE”, permitirão “minimizar a perturbação magnética” no mapeamento que o satélite irá fazer. A sua calibração é, por isso, crucial. Devido ao ambiente a que o JACS estará sujeito durante a missão, o desenvolvimento deste sistema “teve enormes desafios”.

 

O JUICE voará a bordo do foguete Ariane 5, a partir do Porto Espacial Europeu, em Kourou, Guiana Francesa. © ESA – S. Corvaja

 

O JUICE tem “muitas coisas especiais”, disse à Exame Informática Bruno Sousa, engenheiro aeroespacial português que é, também, um dos diretores de voo desta missão. “Em termos de equipamentos científicos destaco um radar para penetrar debaixo da camada espessa de gelo e explorar os oceanos das luas de Júpiter (em particular Ganimedes).” Quanto à construção da nave, Bruno Sousa chama a atenção para o “sofisticado sistema de navegação ótica (EAGLE)” que ajudará a “apontar os instrumentos com precisão” quando o satélite estiver bem próximo das luas. “O roteiro pelas luas vai ser um extraordinário jogo de ping-pong espacial”, diz.

Há mais dois portugueses na missão: Marta Pantoquilho, coordenadora do Software (assegura que os sistemas de dados estão a funcionar) e Filipe Metelo, como Simulation Officer durante o treino da equipa.

Num momento bastante oportuno e “propício”, em que podem ser criadas “muitas sinergias e complementaridade com as missões Juno [atualmente na órbita de Júpiter] e Europa Clipper [que estuda a lua de Júpiter, Europa] da NASA”, além das missões interplanetárias europeias já mencionadas, também a Active Space se juntou a esta jornada ao planeta gigante.Bottom of Form A empresa de Coimbra chegou ao JUICE como parceira da espanhola SENER. Esta participação consistiu “no co-design, fabrico, assemblagem e campanha de validação e teste do mecanismo de orientação da antena de ganho médio (MGA) da missão”, explica fonte da Active Space.

Já a FHP, empresa nascida no Porto, fez o que faz melhor, contribuindo para a proteção térmica do MAG e produzindo um modelo de desenvolvimento térmico com um “mockup à escala 1:1 do satélite”, que “serviu para testar a parte térmica antecipadamente”. As temperaturas extremas de Júpiter, às quais o JUICE estará sujeito, são obviamente, uma das condicionantes na execução de todos os elementos que compõem a missão.

 

FHP contribuiu para a proteção térmica do MAG. © DR

 

Mas não só: também é prioritário “garantir que a missão não atingirá em circunstância alguma nem o planeta Marte nem Europa, a lua de Júpiter”, explica a fonte oficial da DEIMOS, a quem coube desenvolver “ferramentas de software” que asseguraram o sucesso da missão nesse sentido. É que tanto Marte como a lua Europa estão classificados “como Categoria V segundo regras de proteção planetária”, uma vez que são “corpos do sistema solar que poderão, potencialmente, albergar vida”, juntamente com Enceladus, uma das luas de Saturno. Além disso, a DEIMOS colaborou na melhoria da “estratégia de navegação autónoma de base da missão durante o voo de passagem por Europa e durante a fase orbital em redor de Ganimedes”.

 

O JUICE já nos deu futuro

A oito anos de distância da chegada a Júpiter, a missão JUICE já trouxe futuro para Portugal, permitindo a transferência de tecnologia que no futuro poderá ser aplicada em novas missões.  A Lusospace, por exemplo, diz ter adquirido “know-how que poderá ser usado em missões semelhantes ou que requeiram o desenvolvimento de grandes estruturas resistentes a vibrações e variações térmicas, mas ao mesmo tempo leves”.

Para a FHP, a participação na missão permitiu à empresa ganhar competências para, depois, “testar e qualificar os produtos para outros ‘ambientes’, nomeadamente para condições de temperaturas mais extremas e para técnicas de produção que minimizem debris magnéticos”. Por sua vez, a Active Space diz ter aprofundado a sua “experiência no desenvolvimento de mecanismos de voo para aplicações espaciais”, que poderão vir a ser usados com maior recorrência em “futuros sistemas similares”. A empresa já o está a fazer para missões como a ATHENA, que integra, como o EUCLID ou o próprio JUICE, o programa Cosmic Vision 2015-2025 da Agência Espacial Europeia.

Ainda que a chegada a Júpiter esteja a muitas folhas do calendário por rasgar, esta missão europeia já deu origem a uma tese de doutoramento no Instituto Superior Técnico, estando também uma tese de mestrado em curso, adianta Patrícia Gonçalves. “Permitiram também desenvolver atividades com outras entidades nacionais”, como o Campus Tecnológico e Nuclear do Técnico e o Hospital de Santa Maria, “nomeadamente nos testes de radiação dos componentes eletrónicos”.

 

Autor
Portugal Space
Data
12 de Abril, 2023