Testemunho de um candidato a astronauta
Ivo Yves Vieira foi candidato a astronauta em 2008. Treze anos depois volta a aceitar o desafio lançado pela Agência Espacial Europeia.
2008, rumo à Alemanha, voando por cima das nuvens, na senda de um sonho de mais de 20 anos… Escolhido num lote de 8000 candidatos a astronauta, fiz parte dos 900 que realizaram testes psicotécnicos na primeira fase de selecção, sem dúvida das mais difíceis. Não bastava ser bom. Era preciso ser excelente.
Foi um dia intenso com testes de orientação espacial, concentração, memória, destreza, entre outros. Para mim os mais difíceis foram os de memória, tanto auditiva como visual. Havia outros bem desafiantes em que tínhamos que mentalmente rodar um cubo. Outro teste mais surpreendente consistiu em usar um joystick para controlar uns indicadores que reagiam de forma estranha. Nos intervalos e no almoço, ao falar com os meus colegas, deu para perceber quem eram os outros 40 candidatos do meu grupo desse dia. Tínhamos franceses, italianos, espanhóis, gregos, entre outros. Eu era o único português. Mas basicamente, ou eram doutorados ou eram pilotos de caça. Todos muito bons, mas nenhum o suficiente para ter sido um dos seis astronautas seleccionados.
Como foi a experiência? Foi um grande momento. Sabia que seria difícil ser seleccionado mas não podia deixar de concorrer. Sonhar é acreditar que é possível. E quando se acredita, vai-se até ao fim. E a sensação de fazer parte da nata europeia sabe bem. É um reconhecimento do investimento dos mais de 20 anos na perseguição desse sonho.
Mas será que vale a pena perseguir um sonho tão difícil e provavelmente inalcançável? Se ficarmos presos a esse sonho como sendo a única coisa que interessa, então estamos perdidos. Mas se olharmos para esse sonho como um caminho de tantas experiências e aprendizagens, então vale a pena, seja qual for o resultado.
“Shoot for the Moon. Even if you miss, you’ll land among the stars. E.P. Rose”. Sim. Quis ser astronauta. Falhei? Dos 900 candidatos que realizaram os testes psicotécnicos, escolheram cerca de 200 para a fase seguinte. E eu não fui um dos escolhidos… Então falhei? Não. Não falhei. Durante toda esta caminhada, criei uma empresa espacial e tive a oportunidade de contribuir para várias missões espaciais, uma delas rumo a Júpiter. Orgulho-me de ser um pioneiro na era espacial em Portugal. E isso é muito especial. Ou seja, tive muito sucesso nesta senda.
Mas sonhar é sonhar … e continuar a acreditar. Agora estamos em 2021 e surgiu um novo concurso para seleccionar quatro ou seis astronautas da ESA. Abro a página de internet do concurso e verifico as várias condições e qual a idade limite. 50 anos. Nem acredito. 50 anos? E que idade tenho? 49 anos! E o que faço? Concorro. E porquê? Porque tudo vale a pena, se a alma não é pequena.