Portugueses garantem contratos de €3,1 milhões para desenvolver software para o SKA

O maior telescópio alguma vez construído terá tecnologia portuguesa. A ATLAR, a Critical Software e a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto venceram o concurso de desenvolvimento de software de serviços e infraestruturas do software que garantirá o funcionamento do SKA.

O Square Kilometre Array (SKA) permitirá que a astronomia inicie uma viagem científica muito mais profunda do que a que fez até aqui: com a construção das duas maiores redes de radiotelescópios alguma vez vistas, a recolha de dados será muito superior à existente. O telescópio será composto por duas redes instaladas na África do Sul e na Austrália, sendo o primeiro composto por 197 antenas orientáveis de 15 metros de diâmetro, e o segundo por 131.072 antenas periódicas de registo fixo.

Para que o funcionamento e a utilização ótima destas duas redes sejam assegurados, é necessário desenvolver software e soluções informáticas que garantam a sua implementação. E esta componente terá a contribuição da indústria e academia portuguesas através da ATLAR, da Critical Software e da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP).No total, os contratos que a ATLAR, a Critical Software e a FCUP garantiram perfazem 3,1 milhões de euros.

As duas empresas e a faculdade portuense, selecionadas por um concurso organizado em Portugal pelo Observatório SKA (SKAO) no quadro da política de geo-retorno da instituição, vão participar no desenvolvimento de serviços e infraestruturas que sirvam de base a todo o software que garantirá o seu funcionamento. Isso inclui serviços de análise, conceção, construção, codificação, testes, verificação, validação, implementação, lançamento, manutenção, depuração e documentação de software e sistemas informáticos.

“Estes são os primeiros contratos entregues a empresas portuguesas pelo SKAO, que resultam do investimento que Portugal está a fazer numa das mais ambiciosas organizações científicas mundiais”, sublinha Luís Serina, responsável pela política industrial da Portugal Space. “Isto permite que Portugal esteja na linha da frente daquele que é um projeto científico emergente e transformador, ao mesmo tempo que as empresas e centros de investigação nacionais desenvolvem capacidades tecnológicas numa área fundamental do conhecimento e reforçam seu potencial de crescimento”.

“Portugal é um parceiro de longa data do projeto SKA e para o desenvolvimento do seu software e soluções informáticas associadas”, afirma Maurizio Miccolis, gestor de projetos de software do SKAO. “A finalidade destes contratos, que têm o objetivo de fomentar uma parceria mais do que uma troca comercial, é gerar valor para o Observatóri, bem como para os nossos fornecedores portugueses. Esperamos continuar a nossa longa e valiosa colaboração com Portugal, incluindo para o desenvolvimento e transferência das tecnologias de plataformas de computação que são absolutamente necessárias para os supercomputadores do SKAO e muito procuradas em todo o mundo.”

No caso da Critical Software, a ligação da empresa ao SKA é anterior a este concurso, remontando a 2016. Na altura, a empresa participou “no desenvolvimento do software e algoritmos de Science Data Processor, que processa os dados gerados pelos telescópios, explica Mauro Gameiro, engenheiro principal para o mercado do Espaço na empresa de Coimbra. “A Critical Software foi ainda responsável pela análise independente dos requisitos dos sistemas Telescope Manager e do Signal and Data Transport e pela análise de fiabilidade, disponibilidade, manutenibilidade e segurança (RAMS) desses sistemas”, acrescenta. Agora, a empresa terá como função “participar no desenvolvimento da plataforma de desenvolvimento de aplicações”, tendo um contrato de cerca de 345 mil euros.

Também a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto  já estava envolvida no projeto do SKA antes de 2021. Na verdade, a ligação existe desde 2014, ano em que a universidade portuense passou a estar envolvida nas “fases de desenho e pré-construção” do SKAO, como indica Dalmiro Maia, do Observatório Astronómico Prof. Manuel de Barros da FCUP. Desde essa altura, a faculdade “teve sempre entre um a três académicos a trabalhar a tempo inteiro para o SKA”.

 

© SKAO

 

Com este concurso, a FCUP “vai trabalhar sobretudo sobre a Software Defined Infrastructure”. Uma vez que “as cadeias de processamento dos dados e de controlo dos telescópios que fazem parte do SKA têm de ser independentes do hardware físico”, é necessário que “o processamento, armazenamento e comunicação das várias cadeias de controlo dos telescópios e processamento dos dados” sejam definidas em software. Dalmiro Maia diz estarem a criar “máquinas virtuais” cujas características “seguem sempre os mesmos padrões específicos, não interessando qual a plataforma de supercomputação que está a ser utilizada”. A FCUP criará e disponibilizará essas máquinas virtuais em “plataformas de supercomputação”, monitorizando o seu desempenho, desenvolvendo ainda “ferramentas para que as várias equipas possam correr os seus códigos de forma segura e eficiente”. O valor do contrato da FCUP está à volta dos 980 mil euros.

Já no que diz respeito à ATLAR, o CEO Hélder Ribeiro fala de projeto intercontinental, “extremamente exigente”, capaz “de produzir um fluxo de dados a uma taxa 100 mil vezes mais rápida do que a velocidade média global de banda larga projetada em 2022”.

A startup sediada na Pampilhosa da Serra, que receberá cerca de 1.8 milhões de euros do contrato com o SKA, será responsável por integrar “todo o software de gestão e operação das centenas de antenas do SKA”, mas também por “desenvolver o software de controlo e monitorização do SKA, a grande máquina que combina o sinal de todas as antenas do SKA”. “A experiência da equipa ATLAR segue anos de trabalho no design e pré-construção do gestor do telescópio do SKA (Telescope Manager e Observatory Monitoring & Control)”, aponta Hélder Ribeiro.

 

“Um sinal de expansão” para o espaço em Portugal

A ATLAR nasceu após beneficiar dos longos anos de trabalho do Engage SKA Portugal (Enabling Green E-Science for the SKA), uma infraestrutura nacional de investigação radio-astronómica liderada pelo Instituto de Telecomunicações na Universidade de Aveiro, com apoio do Cluster TICE.PT e inserida no Roteiro Nacional de Infraestruturas de Investigação (RNIE). Dalmiro Maia, da FCUP, sublinha que o Engage SKA foi “fundamental” pelo envolvimento de entidades portugueses no projeto, que cresceram no mercado internacional a partir desta contribuição.

Do lado da FCUP, existe “um enorme interesse pelo potencial de descoberta e inovação do SKA” e, por isso, esta é uma oportunidade para a academia “trabalhar em proximidade com a indústria” e familiarizar-se “com os métodos de trabalho e tecnologias usadas os grandes projetos internacionais”, acrescenta Dalmiro Maia.

Por outro lado, Mauro Gameiro afirma que a participação da Critical Software no SKA “insere-se numa estratégia que permite potenciar conhecimento e recursos juntando num mesmo segmento de negócio e equipa de engenharia, a área espaço e a ciência”. A conjugação de áreas distintas em casos como o do SKA também prova “a grande procura e interesse de todos os projetos científicos nas novas tecnologias de informação”, que são “diferenciadoras” e que potenciarão “novos desafios” nas áreas das Tecnologias de Informação e Comunicação”, perspetiva Hélder Ribeiro.

 

© SKAO

E isso também traz oportunidades para a expansão não só desta empresa, bem como de boa parte do setor espacial português: “Pretendemos captar oportunidades de grande valor acrescentado, capacitando Portugal para os novos grandes desafios tecnológicos”, indica o CEO da ATLAR.

Mas este crescimento não se dá apenas na indústria. A FCUP entende esta oportunidade como “um sinal de expansão” e considera essencial que o país “participe nas fases de desenho e de construção” de grandes projetos científicos. Recorde-se que Portugal é um dos membros fundadores do SKAO, que se constituiu em fevereiro de 2021 e é a Agência Espacial Portuguesa que atua em nome do Governo português nesta matéria, promovendo a comunidade científica e as empresas nacionais no quadro deste organismo e reforçando a presença do país nos principais palcos mundiais.

Para o responsável pelos projetos científicos da Agência Espacial Portuguesa, Cláudio Melo, o SKAO aborda questões complexas, uma vez que tem como ambição “responder um grande leque de perguntas fundamentais sobre o início do nosso Universo e a natureza dos seus constituintes, as possibilidades de vidas em outros mundos, observar os efeitos de ondas gravitacionais a cruzar o espaço-tempo e muito mais”. Por isso, será “um verdadeiro catalisador de inovação, fomentando uma estreita interação entre a indústria e a academia, aproximando os jovens às carreiras STEM e promovendo a paz entre os povos através da cooperação científica global”. “Estamos apenas no começo dessa aventura humana. Com certeza ouviremos falar bastante da contribuição de engenheiras, engenheiros e cientistas portugueses ao longo dos próximos anos para o sucesso do SKAO”, conclui.

Autor
Portugal Space
Data
30 de Março, 2022