O ferrão 3D da BEEVERYCREATIVE
leva Portugal ao Espaço

A empresa sediada em Ílhavo nasceu em 2011, a bordo de uma revolução tecnológica que pôs impressão 3D ao alcance do cidadão-comum.
Poucos anos depois, a BEEVERYCREATIVE já participava em missões da ESA. Hoje, o espaço é uma das muitas áreas de atuação da empresa.

Aurora Batista saiu da edição deste ano do European Rocketry Challenge (EuRoC) com um sentimento de missão mais do que cumprida. Nem mesmo a presidente da BEEVERYCREATIVE esperava que as impressoras 3D que decidiu levar para o paddock em Ponte de Sor fossem de tal forma requisitadas por várias das equipas presentes na competição. As máquinas “trabalharam diversas vezes pela noite dentro” para responder a necessidades de última hora dos estudantes e provaram ser essenciais para o sucesso do lançamento de alguns dos rockets em competição, como contou Aurora Baptista ao cair do pano do EuRoC 2022.

Mas imprimir um objeto tridimensional nem sempre foi simples ou, pelo menos, tão acessível — muito menos para estudantes. Até há pouco tempo, embarcar numa aventura no universo da manufatura aditiva (jargão técnico para a mais simples impressão 3D) requeria “investimentos extremamente elevados” que estavam “apenas ao alcance das grandes empresas”. Só em 2011 foram dados “os primeiros passos para tornar esta tecnologia acessível a um público mais alargado”, a partir de um movimento de open-source revolucionário que aconteceu com a primeira impressora 3D low-cost do mercado, a RepRap, que permitia uma autorreplicação. Ou seja, com esta impressora, seria possível imprimir as peças que dariam origem a uma igual.

 

 

Foi essa revolução que esteve na origem da criação da BEEVERYCREATIVE, que nasceu nesse mesmo ano nos corredores da Universidade de Aveiro a partir do entusiasmo de Francisco Mendes e Jorge Pinto. Inicialmente denominada de bitBOX, a empresa arrancou com “o primeiro controlador de 32bits, na época o mais rápido do mercado, que era vendido a uma comunidade maker, desejosa de poder criar as suas próprias impressoras 3D”.

As “críticas positivas” e o “sucesso de vendas” provaram a aposta — tanto que Francisco e Jorge “decidiram arriscar e avançar com a criação da primeira impressora 3D comercial portuguesa”, a BEETHEFIRST. O primeiro modelo trouxe notoriedade: “A qualidade de construção, facilidade de utilização e o facto de ser a primeira impressora 3D portátil contribuíram para o reconhecimento através de diversos prémios nacionais e internacionais”, recorda Aurora Batista.

 

Espaço a 3D

A notoriedade alcançada nessa altura lançou a BEEVERYCREATIVE para as suas primeiras aventuras espaciais. Em 2014, a empresa integrou um consórcio internacional que participou no projeto MELT (Manufacturing of Experimental Layer Technology) da Agência Espacial Europeia (ESA). Nascia, assim, a primeira impressora 3D europeia totalmente concebida para ambientes de microgravidade, sendo “capaz de imprimir polímeros de alta performance que podem substituir alguns metais, como por exemplo o alumínio”.

“A impressora foi feita para suportar a força de 9G atingida durante o lançamento para o Espaço e para ser operada a partir da terra, de forma que os astronautas se preocupem apenas em garantir que a impressora tem filamento e em retirar o objeto fabricado”, explica a CEO da BEEVERYCREATIVE. A mesma impressora esteve recentemente no deserto de Negueve, em Israel, onde decorreu uma missão análoga que emulou o ambiente vivido em Marte, que foi liderada pelo português João Lousada.

 

A empresa de Ílhavo já participou em várias missões e projetos da Agência Espacial Europeia, como o MELT. © BEEVERYCREATIVE

 

Seguiu-se o projeto IMPERIAL, cujo objetivo “foi desenvolver uma impressora 3D projetada a pensar na fabricação fora da Terra, capaz de operar em microgravidade e imprimir peças em polímeros de alta performance de tamanho ilimitado numa direção”. “A solução foi criada em função dos recursos disponíveis a bordo da Estação Espacial Internacional e a impressora construída de forma a ser compatível com o rack [tipo de prateleiras que acomodam experiências] do módulo Columbus”, explica a CEO da empresa.

A BEEVERYCREATIVE também poderá chegar à Lua: esteve envolvida no projeto URBAN, para o qual foi convidada pela ESA. A missão passou por estabelecer os passos a dar pela ESA para a criação de uma base habitável no satélite natural. Depois, a empresa participou ainda no desenvolvimento do PODIUM, com o qual a ESA procurou “criar uma impressora capaz de imprimir em alto vácuo polímeros de alta performance”, mas também “reciclar as peças impressas criando filamento e usando-o para imprimir nas mesmas condições”.“O objetivo é garantir que nas futuras missões espaciais seja possível reutilizar objetos impressos, criando uma verdadeira economia circular”, acrescenta Aurora Batista.

A manufatura aditiva “engloba diversas tecnologias bastante distintas, mas com um objetivo comum, o de produzir objetos tridimensionais camada a camada, a partir de um modelo 3D”. Atualmente utilizada “na produção de peças únicas e personalizadas, objetos com geometrias complexas e produção de pequenas séries” já chegou a várias indústrias e áreas para lá da espacial, conquistando terreno na indústria automóvel, na medicina ou na biotecnologia. Exemplo disso é o projeto mais recente da empresa, a nova BIOPRINTER 2.0, que é “capaz de imprimir células vivas” e foi “desenvolvida para o instituto 3B’s, da Universidade do Minho”.

Além disso, a BEEVERYCREATIVE está a trabalhar “em diversos projetos no âmbito da economia circular que envolvem, por exemplo, o reaproveitamento e valorização de desperdícios provenientes das indústrias do couro (LEATHER3D) ou dos metais (ADD.POWDER), co-financiados pelo FEDER via PT2020 e CENTRO2020”.

É fácil perceber o porquê do sucesso. Além da “constante diminuição do custo e facilidade de utilização dos novos equipamentos”, a impressão 3D também permite “a produção de peças sem os desperdícios criados pelas indústrias tradicionais, a diminuição do consumo de combustível através da criação de peças mais leves e aerodinâmicas e a utilização de polímeros reciclados para a impressão de novos objetos”. Assim, “tem um papel preponderante a nível da sustentabilidade”, afirma Aurora Batista.

 

Aurora Batista, CEO da empresa, aponta aaa impressão 3D “tem um papel preponderante a nível da sustentabilidade” no espaço. © Agência Espacial Portuguesa

 

No espaço, é mesmo essencial: “A capacidade de imprimir estruturas e peças de substituição, in situ, irá diminuir o custo e restrições de volume que impedem o lançamento e armazenamento de todo o material necessário para missões de longa duração ou a longa distância da Terra. Permitir que os astronautas imprimam em 3D peças de grande dimensão será vital para a autossuficiência de futuras missões espaciais.”

No EuRoC, não foi preciso ver os rockets a entrar em órbita para que a impressão 3D se assumisse essencial para muitas das equipas participantes. “Disseram-me várias vezes: ‘A sua ajuda foi fundamental para o nosso lançamento!’”, recorda Aurora Batista. Ali, a impressão 3D levou os sonhos mais longe — e talvez se tenha iniciado uma relação que se auto-replicará em futuras oportunidades.

Autor
Portugal Space
Data
22 de Novembro, 2022