Europa recupera acesso ao espaço com Ariane 6
Portugal marca presença neste importante momento, através da participação de algumas empresas portuguesas no desenvolvimento do novo lançador, que leva a bordo o nanossatélite construído por estudantes e professores do Instituto Superior Técnico.
Se tudo correr como previsto, a Europa recuperará na noite desta terça-feira, 9 de julho, a sua autonomia no acesso ao espaço. O novo foguetão europeu Ariane 6, cujo lançamento está previsto acontecer entre as 19:00 e as 23:00 (hora de Lisboa), promete inaugurar uma nova era de transporte espacial, devolvendo à Europa acesso ao espaço.
Um momento histórico que ficará igualmente inscrito na narrativa espacial portuguesa: a bordo do Ariane 6 segue um nanossatélite construído por estudantes e professores do Instituto Superior Técnico (IST), cujo lançamento é assegurado devido à participação portuguesa no programa Fly your Satellite, da Agência Espacial Europeia (ESA).
O ISTSAT-1 irá receber os sinais ADS-B dos aviões (sistema de comunicações para a aeronáutica)) dos aviões, enquanto orbita a 587 quilómetros acima da Terra, permitindo a sua deteção em zonas remotas.
“O nanossatélite ISTSAT-1 é revelador do trabalho, empenho e conhecimento que está a ser adquirido pelas instituições de ensino superior no setor espacial em Portugal. E o facto de ser possível colocá-lo em órbita no novo lançador europeu evidencia a estreita colaboração entre os vários Estados-membro da ESA, entre os quais Portugal, pela Agência Espacial Portuguesa, e as suas iniciativas, que se tornam cada vez mais complementares”, afirma Pedro Coimbra, gestor de programas educativos da Agência Espacial Portuguesa.
O ISTSAT-1 será um entre perto de duas dezenas de satélites a serem lançados no Ariane 6, um foguetão com 63 metros de altura e um diâmetro de 5,4 metros. Disponível em duas versões, com dois ou quatro propulsores dependendo da potência necessária e da carga, o maiden flight irá acontecer com o Ariane 62, capaz de lançar até 4,5 toneladas para a órbita geoestacionária e 10,3 toneladas para a órbita baixa. Já a versão de quatro propulsores, o Ariane 64, pode levar até 11,5 toneladas e 21,6 toneladas, respetivamente.
“Este novo foguetão europeu tem novas funcionalidades nomeadamente na sua maior flexibilidade e potência para transportar não só mais satélites como satélites maiores que os seus antecessores, a custos de fabrico inferiores e com uma produção simplificada”, afirma Inês d’Ávila, responsável pelas áreas de Transporte e Segurança Espacial na Agência Espacial Portuguesa. “O motor do estágio superior deste lançador, o novo motor Vinci, tem a capacidade de ser ativado várias vezes, proporcionando uma grande melhoria a nível da precisão na inserção em órbita dos vários satélites a bordo”.
O Ariane 6 é um projeto da Agência Espacial Europeia (ESA), cuja construção foi adjudicada ao ArianeGroup, e a exploração atribuída à Arianespace a partir do Porto Espacial Europeu, em Kourou, na Guiana Francesa.
Uma história com quatro décadas
O projeto do Ariane 6 foi lançado em 2014 e teve o voo inaugural inicialmente programado para 2020, mas o sucessor do Ariane 5, que deixou de voar em julho de 2023, sofreu diversos atrasos.
O Ariane 6 é o último de uma longa linha de lançadores europeus, cujo nascimento remonta a 1973, com o primeiro foguetão a ser lançado seis anos depois, em 1979. Em 1996, a estreia do Ariane 5 garantiu à Europa um importante trunfo no transporte espacial. Com um total de 117 lançamentos, dos quais 115 foram bem-sucedidos, o Ariane 5 foi responsável por lançar missões importantes como a sonda Espacial Roseta (2004), o Telescópio Espacial James Webb (2021), ou a missão JUICE (2023), entre muitas outras.
Com o Ariane 6, a Europa pretendia criar um lançador suficientemente competitivo para enfrentar os grandes operadores privados, como a SpaceX, e também responder aos problemas da sustentabilidade das operações espaciais. “O Ariane 6 foi também desenvolvido a pensar na sustentabilidade espacial uma vez que o motor Vinci efetuará uma ignição final com o propósito de retirar o último estágio do espaço e assim diminuir a criação de detritos” explica Inês d’Ávila.
“No entanto, continua a ser de extrema importância que a Europa tenha um acesso ao espaço independente e autónomo capaz de garantir a soberania dos Estados-Membros e é aqui que entra o Ariane 6, enquanto se espera ansiosamente pelos vários desenvolvimentos Europeus na área dos pequenos lançadores” considera a responsável pelas áreas de Transporte e Segurança Espacial na Agência Espacial Portuguesa.
Joan Alabart, gestor de programas de Inovação, Empreendedorismo e Exploração Espacial da Agência Espacial Portuguesa, recorda que o desenvolvimento dos lançadores europeus, sob o chapéu da Agência Espacial Europeia, envolve a participação de muitos países e empresas de todo o continente. “Isto promove o sentimento de um programa espacial comum e partilhado e contribui para a distribuição geográfica pela Europa dos contratos industriais que tem criado capacidades em todo o continente”.
O papel nacional
O lançamento do Ariane 6 é o culminar de mais de uma década de trabalho, que envolveu 13 estados-membro da ESA e mais de 600 empresas de toda a Europa, incluindo o envolvimento de algumas entidades portuguesas.
“Há diferentes empresas nacionais a participar na cadeia de fornecimento do lançador. A Critical Software desenvolveu software de telemetria do veículo, o ISQ que participa em atividades recorrentes no Porto espacial da Guiana Francesa, e a Evoleo que foi responsável pelo desenvolvimento da unidade de distribuição e controlo de energia (PDCU) do kit de telemetria de vídeo”, explica Joan Alabart.
A unidade PDCU da Evoleo está integrada no sistema de vídeo desenvolvido pela irlandesa Réaltra Space Systems Engineering, que irá captar e transmitir imagens de vídeo de alta resolução a partir de câmaras estrategicamente posicionadas no Ariane6.
Por fim, registe-se o papel da Thales-Edisoft Portugal que opera o Teleporto de Santa Maria, que tem já vindo a ser envolvida nos testes preparatórios para o lançamento desta noite, e que “irá contribuir para o estabelecimento de comunicações durante uma fase crítica da missão”, diz fonte oficial da empresa.