A missão da Ciência Viva cumpre-se todos os dias
Mais de 25 anos depois da sua criação, a Ciência Viva concretizou parte do seu propósito: levar mais ciência às pessoas e fazer crescer a cultura científica. Mas há “muito por fazer e muito por que lutar”. Porque a Ciência Viva quer chegar a todos.
A missão poderia ser dada como concluída: ao longo de mais de 25 anos, a Ciência Viva levou experiências científicas às escolas, aproximou a sociedade da ciência e, através das suas atividades, influenciou o destino de uma geração. “Portugal evoluiu muitíssimo” neste âmbito nas últimas décadas, quando esta história começou. “O número de inscritos nos cursos das áreas STEM [sigla inglesa para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática] aumentou 67% em relação a 1996”, diz Ana Noronha, diretora executiva da Ciência Viva – Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica.
Os dados do Eurobarómetro de 2021 sobre “Conhecimento e atitudes dos cidadãos europeus em relação à ciência e à tecnologia” também sustentam essa evolução: metade dos portugueses inquiridos considerou “muito positivo” o impacto da ciência e da tecnologia na sociedade. O mesmo estudo revela que a literacia científica dos portugueses aumentou de 20%, em 2005, para 58%, em 2021 — acima a média europeia. “Isto só foi possível porque se gerou um movimento social pela ciência com a contribuição dos investigadores, dos professores, dos especialistas das organizações não governamentais, que colaboraram connosco na causa comum de promover a ciência na sociedade”, fundamenta Ana Noronha.
Mas conjugar a atividade da Ciência Viva no passado é limitativo — ou errado. É que “continua a haver muito por fazer e muito por que lutar”. A diretora executiva da Ciência Viva viu a instituição crescer como poucos: começou o seu percurso naquele organismo em 1996, precisamente no ano em que a Agência foi criada, mas “do lado de fora, com um projeto apoiado num concurso da Ciência Viva”.
Dia Nacional da Cultura Científica, 1999, no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, com os então Presidente da República Jorge Sampaio e o Ministro da Ciência e Tecnologia, José Mariano Gago. © Ciência Viva
Em 1996, Mariano Gago, então Ministro da Ciência e Tecnologia, assinou o despacho que deu forma à Unidade de Apoio para a Educação Científica e Tecnológica, que, em 1997, passaria a designar-se como Unidade Ciência Viva. Nesse ano, Ana Noronha foi convidada a aderir “à equipa para apoiar o acompanhamento dos projetos, reforçando o elo de ligação com a comunidade científica”.
Depois, em 1998, o organismo transforma-se numa associação de instituições científicas e passaria a adotar o nome pelo qual a conhecemos nos dias de hoje: Ciência Viva – Agência Nacional para a Cultura Científica. Nesse ano, Mariano Gago atribuiu à Ciência Viva uma missão: “Promover a educação científica e tecnológica da sociedade portuguesa, especialmente junto das camadas mais jovens e nos alunos dos ensino básico e secundário, recorrendo a um reforço do ensino experimental das ciências”, como se lê no site daquela agência. A missão é, por isso, contínua.
Hoje, a Ciência Viva conta com cerca de 90 trabalhadores, que constituem uma equipa multidisciplinar: “engenheiros, equipas de IT, de design, de comunicação, além da equipa que realiza os projetos de educação e outreach”. No total, “cerca de 25% tem o grau de mestrado ou doutoramento”.
A ciência a chegar a todos
A relação da Ciência Viva com o Espaço também vem desde o início da sua criação — tanto que a agência “já divulgava as atividades da ESA [sigla em inglês para Agência Espacial Europeia] antes da adesão de Portugal”. “Com a entrada de Portugal, em 2000, fizemos uma exposição no Pavilhão do Conhecimento para divulgar as principais atividades da ESA. Intensificou-se a divulgação da participação portuguesa nos programas da ESA junto das escolas e do público em geral, com o apoio da comunidade científica e do Gabinete para o Espaço da FCT”, contextualiza Ana Noronha.
O peso do Espaço nas atividades promovidas pela Ciência Viva aumentou em 2013, “quando a ESA estava à procura de uma entidade para ser o representante nacional na área da educação”. A candidatura da Ciência Viva “surgiu naturalmente”, dada a ligação anterior, com o ESERO Portugal, “um programa de promoção da educação científica que, usando o Espaço como elemento inspirador, cobre todas as áreas científicas”.
O Espaço tem muito peso na programação da Ciência Viva. © Ciência Viva
Tendo a temática espacial como central, explica Ana Noronha, muito se pode ensinar sobre áreas como a “programação, robótica, geografia ou biologia”. E, para se ensinar, não há melhor do que os professores — “os mediadores, uma referência para os alunos” —, principalmente se forem muito “espaciais”.
Foi através dos cursos de formação de professores, instituídos em 2013 pela Ciência Viva, que se formaram “mais de 2800” Professores Espaciais. Os cursos, diz Ana Noronha, “não têm grande visibilidade junto dos media, mas são de longe a atividade dedicada ao Espaço que mais impacto tem tido e continuará a ter para o futuro do setor espacial no nosso país”. Passando-se conhecimento às crianças, chega-se às famílias, “que são muito importantes na orientação profissional dos seus jovens e têm, também, um papel a cumprir enquanto votantes, no apoio a políticas para o desenvolvimento do setor espacial”.
Mas este trabalho, uma vez mais, não se fica pelo que já se fez: “O contrato que estamos a preparar para o período de 2023 – 2025 será já de acordo com as linhas estratégicas do novo programa educativo da ESA (Education 2030), incluindo, por exemplo a ciência de dados, a inteligência artificial e a cibersegurança. Isto vem ao encontro da nossa busca constante de novos temas e novas atividades para a Ciência Viva e para apoiar os colegas da Rede de Centros Ciência Viva”, explica.
Ana Noronha, diretora executiva da Ciência Viva, no EuRoC 2021. © Portugal Space
Além disso, a Agência organiza a Competição Nacional CanSat, “de onde sai a equipa que representa Portugal no CanSat Internacional da ESA”. “Desde 2013, ano em que foi organizada a primeira competição, mais de 860 alunos e cerca de 290 professores participaram no CanSat, um projeto que é uma primeira simulação de uma missão espacial”, contextualiza a diretora executiva da Ciência Viva.
A última edição do CanSat Portugal aconteceu no último mês de maio e juntou 15 equipas de alunos dos ensinos secundário e básico em Ponte de Sor. A competição, explica Ana Noronha, “consiste em integrar as componentes essenciais de um satélite e um paraquedas para recuperação no volume de uma lata de refrigerante, lançá-lo num rocket e recolher dados durante o voo para fazer um projeto científico”.
O CanSat não acaba ao último lançamento — cresce para lá da competição e voa mais alto que as latas. Prova disso é a criação do CanSat Júnior “para preparar os alunos do ensino básico para o CanSat”. Do CanSat saem alunos preparados para o European Rocketry Challenge, organizado pela Agência Espacial Portuguesa, que, repara Ana Noronha, “prepara os alunos do ensino superior para… tudo o que quiserem fazer no Espaço!”
“A ciência forma, ensina-nos a pensar”
O exemplo do CanSat ou do programa de formação de professores espelham a forma de atuação da Ciência Viva, cujos eventos, projetos e demais atividades têm sempre em vista algo mais: não se encerram em si próprios. Tal como a Ciência Viva não se circunscreve ao Pavilhão do Conhecimento, a sede da Agência em Lisboa.
Neste momento, há 21 Centros Ciência Viva espalhados por todo o país, havendo “mais quatro em preparação”. Estes foram os primeiros “focos de difusão” a serem criados. Tornaram-se “polos de dinamização das entidades mais ativas em cada região, mobilizando diferentes públicos para a ciência”. “As unidades de investigação e as universidades criaram as suas próprias equipas de extensão, compreendendo a importância de divulgar o seu trabalho junto dos cidadãos e, em particular, de colaborar ativamente com os Centros Ciência Viva da sua região”.
Em Alviela existe um dos 21 Centros Ciência Viva espalhados pelo país. © Ciência Viva
A difusão da cultura científica tem vindo a ganhar novos atores e é também difundida através das escolas que, com os projetos Ciência Viva e os Clubes de Ciência, “organizaram festivais de astronomia, analisaram águas de poços e rios para a comunidade, vigiaram áreas protegidas, transformando-se em exemplos de mobilização do público para a ciência”. Recentemente, “os Clubes Ciência Viva na Escola passaram a ser 708” — e é expectável que este número suba para os 800 em breve. Já as Escolas Ciência Viva são “mais de 20”.
A Agência também está a preparar “um conceito novo” para as regiões do país com menor densidade populacional: as Quintas Ciência Viva, que estarão “associadas à produção local e assegurarão um espaço dinâmico de mobilização das comunidades locais para a ciência e o conhecimento”.
Porque o próximo grande objetivo da Ciência Viva é “chegar a todos”. “É sempre preciso garantir o acesso à cultura científica em todo o território”, salienta. É que a “ciência forma, ensina-nos a pensar”. Para os mais novos, Ana Noronha deixa um conselho: “Quer venham a optar por uma carreira científica quer se integrem noutra carreira qualquer, a ciência muda o nosso olhar sobre o mundo. O conhecimento valoriza qualquer percurso profissional.”