Astrobióloga portuguesa escolhida pela ESA
para liderar comunidade científica da missão Ariel

A missão Ariel irá investigar as atmosferas de cerca de mil exoplanetas. Agência Espacial Europeia nomeou Zita Martins
para ser ponto de ligação com a comunidade científica.

Como se formaram os exoplanetas? Como evoluem? De que são feitos? Estas são algumas questões a que a missão Ariel, da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês), vai procurar responder a partir de 2029, ano previsto para o seu lançamento no Ariane 6, o novo lançador europeu.

Trata-se de uma aventura que colocará o conhecimento científico para lá dos limites do sistema solar, sendo ambição da ESA investigar a composição química e as propriedades térmicas da atmosfera de cerca de mil exoplanetas (que orbitam uma estrela que não o Sol e que, portanto, pertencem a outro sistema planetário).

“Sabemos hoje que o processo de formação planetária é frequente. Também é bastante diverso. Há uma grande variedade nas massas, orbitas e diferentes configurações dos sistemas planetários. A missão ARIEL vem justamente contribuir para expandir o conhecimento sobre a natureza dos planetas”, explica Cláudio Melo, responsável pelos projetos científicos da Agência Espacial Portuguesa – Portugal Space.

Portugal tinha já uma presença relevante na componente científica da missão Ariel por via do consórcio liderado pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, mas viu a sua participação reforçada recentemente com a nomeação da astrobióloga Zita Martins, co-directora do MIT Portugal, para o cargo de Community Scientist da Ariel Science Team. A cientista portuguesa terá como incumbência “representar a comunidade científica, especialmente na área da astrobiologia”, complementando também “outras áreas de conhecimento da equipa científica”.

A astrobióloga Zita Martins. © José Aponte

Quando os dados dos exoplanetas forem recolhidos, será necessário “saber como partilhar e como utilizar esses dados com a comunidade científica” e uma das funções de Zita Martins na missão será de aconselhamento nesse sentido, trazendo um “ponto de vista diferente” na análise dos dados. Assim, a astrobióloga terá uma “voz ativa” e estará na linha da frente, sendo parte de “um núcleo reduzido, trabalhando diretamente com a ESA”.

O reconhecimento da ciência portuguesa

A seleção de Zita Martins para o cargo de Community Scientist da equipa de cientistas da missão reforça a participação portuguesa na Ariel e reafirma a presença nacional na linha da frente desta missão europeia. “É um prestígio enorme para mim e para Portugal, que tem uma contribuição forte”, salienta Zita Martins.

Antes desta seleção, a astrobióloga fazia já parte do consórcio Ariel – Portugal, liderado pelo investigador Pedro Machado, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA). Nas palavras do representante nacional nesta missão espacial europeia, esta será a primeira vez em que será possível “estudar detalhadamente a composição das atmosferas de outros mundos de forma direta”. Por isso, a missão Ariel terá “uma importância enorme na exploração espacial”.

Para além de liderar este consórcio, composto por investigadores do IA, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e do Porto, e do Instituto Superior Técnico, Pedro Machado desempenha ainda as funções de co-investigador e de coordenador, com Gabriela Gili, de um dos grupos de trabalho na componente da ciência. Também é relevante a participação do grupo de instrumentação do IA na missão, que contribui na componente técnica para os testes e calibração do telescópio. Mas a presença nacional nesta aventura para lá do nosso sistema planetário não se esgota aqui.

A missão também é da indústria portuguesa

Quando Pedro Machado diz que a “bandeira portuguesa” na missão tem vindo a crescer, também se refere à participação da indústria nacional na Ariel, representada pela Active Space Technologies e pela ML Analytics.

A parte “mais visível da missão Ariel”, o envoltório do telescópio espacial, vai ser fabricada em Portugal pela Active Space Technologies. A empresa, sediada em Coimbra, tem “impulsionado o projeto de subsistemas críticos”, apoiando o consórcio liderado pela RAL Space em todas as fases da Ariel — dos primeiros esboços à fabricação e aos testes.

Já a ML Analytics, com sede em Loures, venceu recentemente o Machine Learning Data Challenge promovido pela ESA. A competição assentou “num conjunto de dados que continha dados sintéticos, idênticos aos que a missão irá gerar, e sujeitos aos tipos e níveis de ruído que serão característicos dos seus sensores”, conta Luís Simões, diretor técnico da empresa. O modelo vencedor da ML Analytics apresentou um desempenho “já na ordem de magnitude de precisão exigida pela missão”.

E de que forma é que a Inteligência Artificial impulsiona o conhecimento sobre os exoplanetas? Através das ferramentas capazes de processar com a precisão necessária os futuros dados da missão: “A Inteligência Artificial será, como um microscópio, um instrumento especializado que nos revela a realidade que se esconde num sinal ruidoso, e que ficaria de outro modo fora do nosso alcance. Questões como as da existência de vida noutros planetas poderão vir a ser respondidas pela aplicação de IA a dados como os que a missão Ariel irá gerar”, explica Luís Simões.

Para o diretor técnico da ML Analytics, a contribuição da empresa demonstra que no sector espacial português existem “competências para o desenvolvimento de soluções de Inteligência Artificial estado-da-arte para problemas com os níveis de exigência presentes no sector espacial”.

“Um salto quântico” para o futuro

A missão Ariel fará o estudo dos exoplanetas através da espectroscopia, técnica que permite medir as “impressões digitais” químicas de um planeta conforme este se cruza na frente da sua estrela hospedeira ou passa por trás da mesma.

“Os instrumentos a bordo da missão ARIEL permitirão fazer observações espectroscópicas e obter imagens que possibilitarão estudar e caracterizar a atmosfera desses planetas com um alto grau de detalhe graças a qualidade das observações fornecidas pelos instrumentos da missão”, especifica Marta Gonçalves, responsável pelos projetos educativos e científicos na Agência Espacial Portuguesa.

Que aplicação prática poderá ter esta missão na vida do cidadão-comum? Pedro Machado lembra que os espectógrafos desenvolvidos são “de ponta” e “representam um salto quântico” na tecnologia espacial, pelo que se preveem aplicações futuras “noutras áreas, fora do espaço”. “Antevejo aplicação na medicina, na questão das alterações climáticas, na agricultura”, diz o representante português na Ariel, que lembra: “Não é de agora que a exploração espacial tem influência no dia-a-dia.” Exemplo disso são os Sistemas Globais de Navegação por Satélite (GNSS), utilizados diariamente tanto pelo cidadão-comum como por outros serviços, como os de correio, o serviço de televisão por satélite ou a previsão do estado do tempo.

Autor
Portugal Space
Data
15 de Dezembro, 2021