O Espaço, a nova epopeia portuguesa
que se escreve com todos

A história de Portugal no Espaço inicia-se ainda antes de 2000, data em que o país aderiu à ESA, e resulta num conjunto de contribuições de vários momentos e atores, como os que participaram no primeiro satélite português, em 1993,
e tantos outros que ao longo das décadas foram fazendo o que é hoje o ecossistema espacial português.

“O salto tecnológico que tivemos desde que entrámos na ESA é impressionante.” Foi desta forma que, em 2005, durante o Fórum Espacial, Mariano Gago descreveu a evolução tecnológica ocorrida em Portugal no período de apenas cinco anos. Foi pelas mãos do antigo ministro da Ciência que o país aderiu à Agência Espacial Europeia (ESA, sigla em inglês para European Space Agency). As negociações, que tinham começado em 1996, culminaram na adesão formal de Portugal à ESA a 15 de dezembro de 1999, passando Portugal a ser o 15.º Estado-Membro da agência europeia. Ainda foi preciso esperar quase um ano para que a Assembleia da República ratificasse o acordo, mas nem isso impediu que as organizações portuguesas começassem a beneficiar das oportunidades criadas naquele momento.

Contudo, é preciso recuar no tempo para lançar o olhar sobre os primeiros passos do setor espacial português. Em 1972, decorreu a Conferência das Nações Unidas sobre a “Utilização Pacífica do Espaço Exterior Atmosférico” em Viena e, neste momento, as atividades portuguesas para o espaço exterior começaram. António Silva de Sousa, Diretor-Geral do Serviço Meteorológico Nacional, representou Portugal e a Comissão Permanente de Estudos do Espaço Exterior (CPEEE), que fora criada em janeiro de 1970 sob a égide da Presidência do Conselho de Ministros.

A comissão teve uma adesão vasta e inclusiva, incluindo representantes da Junta de Energia Nuclear, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, do Serviço Meteorológico Nacional, das forças Armadas, dos CTT, do Instituto Geográfico e Cadastral, da Direção dos Serviços Florestais, da Direção Gerral de Aeronáutica Civil e das Associações Industriais, entre outros.

A constituição da CPEEE é relembrada por Fernando Carvalho Rodrigues, considerado o pai do primeiro satélite português, que recorre à inspiração poética para lançar o pano onde se inscreve esta história. Para o físico, foi Camões “que teve a visão profética da ida, do estudo e da utilização do Espaço exterior para fazer a carta do conhecimento da Terra e do Cosmos”, referindo-se ao Canto X de Os Lusíadas (1572). E é na epopeia que o físico encontra “o conceito que levou um satélite português ao Espaço” séculos depois, em 1993: o PoSAT-1.

A 25 de Setembro de 1993, cerca das 2h45, as ambições espaciais portuguesas entraram em órbita a bordo do voo 59 do foguetão Ariane 4. Carvalho Rodrigues recorda o lançamento histórico como um “trabalho tenso e de enorme concentração”, mas também assombrado por algum medo de fracasso: “Os satélites custam algum dinheiro e ninguém está disposto a ouvir que um milhão de funções pode falhar”, justifica. O custo deste projeto rondou, a valores correntes, os 5 milhões de euros, havendo uma parte financiada pelo então Programa Específico de Desenvolvimento da Indústria Portuguesa, mas também pelas empresas que constituíam o Consórcio PoSAT-1 — INETI, EFACEC, ALCATEL, MARCONI, OGMA, UBI e CEDINTEC.

 

Conselho do Consórcio do POSAT-1. Imagem cedida por Fernando Carvalho Rodrigues.

 

Na noite do lançamento, Carvalho Rodrigues só descansou quando recebeu um fax que garantia que o PoSAT-1 funcionava em pleno, depois de “o Centro de Comando de Satélites em Alfouvar ter recebido o sinal e ter começado a ‘falar’ com o satélite”. Depois, sentiu-se invadido por um sentimento de gratidão por ter juntado, neste projeto, “tanta gente, tanto hardware, tanto software”.

O ambicioso projeto português correu tão bem que o PoSAT-1 excedeu o “tempo de vida”, algo que Carvalho Rodrigues confessa ter sido inesperado: “Embora o satélite tenha sido muito bem construído e o lançamento ter sido calmo, o que tinha sido acordado com o Consórcio eram sete anos. Quase o dobro é obra!” Para este sucesso contribuíram Óscar Barbosa (EFACEC), João Batalha (MARCONI), Miguel Leitmann (LNETI), Santos Coelho (OGMA) e Deonado Cardoso (OGMA), “sob a responsabilidade e a direção técnica de José Rebordão, do LNETI”.

O PoSAT-1 foi usado para telecomunicações em vários países e serviu ao exército português, em missões na Bósnia, sendo também um importante avanço naquele que é hoje um dos domínios de ação da Agência Espacial Portuguesa: a observação da Terra.

 

Conselho do Consórcio do POSAT-1. Imagem cedida por Fernando Carvalho Rodrigues

 

Uma agência para o Espaço e para os cidadãos

Por mais duas décadas, o Espaço foi responsabilidade do Gabinete do Espaço, integrado na Fundação para a Ciência e Tecnologia. Coube a nomes como Braga Campos, Paulo Ferrão, Rodolfo Condessa, Elsa Alexandrino, José Rebordão, Mário Amaral, Luís Serina, Emir Sirage ou até a Hugo Costa, hoje diretor da Agência Espacial Portuguesa, fazer a ligação oficial entre Portugal e organismos como a Agência Espacial Europeia e o Observatório Europeu do Sul (ESO na sigla inglesa), ao qual o país aderiu também em 2000.

Tirando partido de uma política baseada no retorno geográfico, e de uma task force dedicada ao nosso país, Portugal investiu nos programas que contribuíram para o desenvolvimento da indústria nacional, assegurando que as empresas recebiam de volta, em forma de contratos, o valor investido pelo país. E ao fim de duas décadas de relações com a ESA e o ESO, com uma indústria fortalecida e capaz de dar o seu contributo para o crescimento da economia, Portugal avançou para a criação da sua própria Agência Espacial. Faz agora três anos.

 

Ceirmónia da constituição da Agência Espacial Portuguesa. © Portugal Space

 

A Agência Espacial Portuguesa “foi criada em articulação com a Agência Espacial Europeia para garantir que os cidadãos portugueses são parte integrante dos futuros sistemas e desenvolvimentos espaciais na Europa, aponta Manuel Heitor, o obreiro da Agência Espacial nacional. Mas primeiro veio a Estratégia Nacional para o Espaço, Portugal Espaço 2030, definida pelo então ministro, que vê a criação da Agência para dar um sentido a essa estratégia representando o culminar de duas décadas de trabalho, e que, olhando para o futuro, procura reforçar a posição portuguesa no que ao Espaço diz respeito, em todo o globo.

“O desafio, que também é uma grande oportunidade, consiste em mobilizar setores tradicionalmente não espaciais para investir em inovação desenvolvida pelo setor espacial, rumo a um futuro comum mais sustentável”, resume Manuel Heitor. Para atingir esses fins, importa também, a “envolver os cidadãos em geral, mas também uma grande variedade de atores sociais e económicos, como clientes públicos e privados — desde operadores marítimos, proprietários de terras e empresas agrícolas, entre todos aqueles que precisam de assegurar uma gestão sustentável dos solos e oceanos — até gestores e órgãos públicos responsáveis por garantir a segurança das nossas populações”.

O atual presidente da Portugal Space, Ricardo Conde, com três  décadas de ligação ao setor espacial, foi dos primeiros elementos, a par de Chiara Manfletti, então presidente, a integrar a equipa da Agência Espacial Portuguesa. Ricardo Conde acredita que a missão da Portugal Space assume “uma importância cada vez maior num momento de crecimento exponencial da economia do espaço em que novos avanços tecnológicos permitem novos serviços, novos métodos de observação e compreensão do nosso planeta e uma perspectiva de maior permanência em órbita”.

 

O presidente da Portugal Space, Ricardo Conde, está ligado ao setor espacial há três décadas. © Portugal Space

 

“O mundo mudou desde a fundação da Portugal Space. O espaço é hoje um pilar estratégico da política europeia, contribuindo diretamente para uma europa mais resiliente, mais autónoma e mais verde”, afirma Ricardo Conde, lembrando que o programa Espacial da União Europeia e a Agenda 2025 da ESA representam o compromisso da europa para este setor. “Temos noção disto desde o início, mas há cada vez mais desafios a que temos de dar resposta e o Espaço apresenta-se como uma dimensão dessas respostas. Oferece soluções para várias esferas das nossas vidas e as tecnologias espaciais contribuem para encontrar as chaves para a resolução de problemas que concretos, como por exemplo a compreensão e monitorização do nosso território, a gestão dos recursos hídricos, a prevenção de incêndios, a gestão das zonas costeiras, entre outras”, afirma o atual presidente da Agência.

Mas isso não quer dizer que a atuação da Agência se limite às fronteiras do seu país. “Estamos envolvidos em vários organismos internacionais nos vários domínos, como a astronomia, a partir do Observatório Europeu do Sul [ESO] e do Square Kilometre Array Observatory [SKAO]. E, claro, coordenamos a participação portuguesa na ESA, gerindo e aconselhando ainda o governo português sobre as contribuições e subscrições feitas à Agência Espacial Europeia”, explica. “Isto quer dizer que estamos em estreita articulação com o ecossistema espacial global, porque a Portugal Space e o Espaço em Portugal atuam no domínio da cooperação internacional.”, frisa.

Essa articulação permite que os cidadãos portugueses sejam “parte integrante dos sistemas e desenvolvimentos espaciais, promovendo o uso e a aceitação de dados, informações e serviços espaciais”, mas também estimula “o desenvolvimento do ecossistema espacial nacional e dos setores a jusante, incluindo o desenvolvimento de novos serviços espaciais orientados para setores não espaciais”, aprofunda Manuel Heitor. “Também nos importa fomentar o crescimento das atividades e abordagens do “New Space”, bem como fomentar o crescimento da procura por dados baseados no Espaço, o que requer a atualização da política de dados livres e abertos do Copernicus, em articulação com novas constelações de satélites, em direção a um sistema de geração de dados de maior resolução”, salienta ainda Manuel Heitor.

 

Olhos no futuro

Nos últimos anos, para além da criação da Agência Espacial Portuguesa, outros momentos contribuíram para que as ambições programáticas e políticas portuguesas no domínio espacial se materializassem. A aposta na promoção do ensino das ciências espaciais através da Ciência Viva e da rede ESERO, tal como o aumento, nos últimos anos, da oferta formativa no Ensino Superior em Engenharia Aeroespacial, são exemplos disso.

Igualmente importantes e cruciais foram a criação do Atlantic International Research Centre (AIR Centre) em 2017 e o desenvolvimento e promoção da GEOSAT, um novo operador de satélites português. No plano da cooperação internacional, Manuel Heitor destaca a articulação nacional com fundos europeus centralizados e descentralizados, como o Horizonte Europa, e fundos e projetos nacionais “geridos pela FCT e através de parcerias no âmbito do Programa Go Portugal”, o que inclui o MIT-Portugal ou o UT Austin.

Com os olhos voltados para o futuro a partir do presente, o ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior salienta ainda a importância do acesso ao espaço através do território nacional e em particular dos Açores, “orientado para a instalação e operação de um pequeno porto espacial aberto com reaproveitamento de microlançadores” na ilha de Santa Maria, nos Açores. Nesse sentido, tem-se promovido a construção de infraestruturas adicionais relacionadas com espaço na mesma ilha, o que inclui o “teleporto, instalações de teste para motores; e instalações adicionais de aterragem e preparação de carga útil para a futura aeronave espacial europeia Space Rider”.

Spacerider. © ESA

 

Em quatro anos, o nível de investimento público mais do que duplicou — passando de 25 milhões de euros em 2016 para mais de 52 milhões em 2021 —, mas a ambição é multiplicar por dez o financiamento do setor espacial. E para isso serão decisivas as decisões que se venham a tomar em dezembro, altura em que decorre a próxima Cimeira Ministerial da ESA.

 

“A Portugal Space está comprometida com essa meta e por isso definiu vários desafios nos seus eixos de ação, desafios esses que são muito exigentes, mas que resultarão na afirmação do espaço em Portugal, essencialmente na continuação da capacitação tecnológica, no surgimento de agendas industriais neste setor e também no surgimento de novos serviços e novos operadores”, afirma Ricardo Conde. O presidente da Agência Espacial Portuguesa aponta “o aumento da contribuição privada na estrutura de investimento espacial”, “a criação e promoção de novos empregos qualificados em Portugal nesta década” e a “promoção e estreita cooperação com as startups de base tecnológica” como etapas essenciais para o sucesso deste caminho. “E isso obrigará a um esforço coletivo entre diferentes atores, da indústria à academia, passando por organismos institucionais e centros de investigação, mas tenho por certo que conseguiremos garantir que Portugal se tornará um player proeminente no ecossistema espacial global”, conclui Ricardo Conde. E, como Mariano Gago frisou a dezembro de 1999, quando assinava o documento que estabelecia a ligação oficial de Portugal à ESA, “os desafios, em termos de ciência e tecnologia, são tremendos” em “qualquer país, pequeno ou grande”. Mas a cooperação entre todos os stakeholders assegura que esta jornada será ainda mais bem-sucedida.

Autor
Portugal Space
Data
31 de Março, 2022