O hardware da FHP voa do Porto
para o resto do universo

A Frezite High Performance surgiu em 2007, numa altura em que poucas empresas faziam hardware para a indústria aeroespacial. Entretanto, a empresa portuense cresceu e tem vindo a participar em importantes projetos e missões espaciais internacionais
— tanto que até já levou hardware a Marte.

“Ils sont seulement deux!” Quando, em 2007, a aventura da Frezite High Performance (FHP) começou, a equipa era composta apenas por dois elementos. Um deles era Miguel Santos, que orgulhosamente se descreve como o “colaborador mais antigo” da empresa. Na altura, “o sonho era fazer hardware de voo em Portugal”. E começaram bem — tanto que o trabalho realizado parecia ser obra de uma equipa que, na verdade, era um duo. Daí o comentário em francês (“São só dois!”, em português) de um cliente suíço surpreendido aquando da sua visita às instalações da FHP para a receção do primeiro MGSE (Mechanical Ground Support Equipment) da empresa.  

Ao longo destes 15 anos, a “equipa tem vindo a crescer regularmente”. O nome da empresa sediada no Porto também se expandiu, muito por conta das participações em projetos e missões espaciais que se foram somando no currículo. Com isso, a carteira de clientes ficou mais recheada — e o cliente suíço continua a fazer parte dessa lista.   

Em 2007, quando a FHP surgiu, “existiam já algumas empresas a trabalhar de forma ativa em missões da Agência Espacial Europeia [ESA] mas muito poucas faziam hardware”, recorda o atual Commercial Business Manager da empresa. A empresa não abdica de um “conjunto de valores” desde então: “a qualidade, a excelência, o compromisso, a inovação e a tenacidade”. Além disso, acrescenta Miguel Santos, também a multidisciplinaridade da equipa contribui para o sucesso da FHP.  

 

 

“São características a que aliamos recursos state-of-the-art: duas salas limpas, uma câmara de bake-out e uma máquina de enrolamento filamentar. Temos ainda outros equipamentos de apoio às operações, sem os quais seria muito difícil atingir o nível de serviço onde se posiciona a FHP.”Hoje, “99% dos clientes” da empresa “encontram-se fora de Portugal”. “Atualmente temos clientes em praticamente todos os países da Europa, em Israel, na América Latina e nos Estados Unidos da América”, detalha.  

O crescimento não se observa apenas nesse âmbito: “A empresa já está presente em mercados fora do espaço, como o automóvel ou o industrial, e essas actividades também são muito importantes para o nosso desenvolvimento, mas o foco principal permanece no sector do espaço.” 

Logo no início de tudo, em 2008, surgiu a primeira participação da FHP numa missão espacial internacional, “com o fornecimento de uma proteção térmica no âmbito da plataforma Alphasat em colaboração com a ESA, AIRBUS e TAS”. O bom presságio cumpriu-se e tem sido uma constante ao longo de década e meia, mas já lá vamos.  

Em 2018, a empresa passou a fazer parte do FREZITE Group, uma empresa com mais de 40 anos de experiência no mercado das ferramentas de corte. O que motivou esta mudança? “Surgiu o interesse da FREZITE em adquirir uma empresa de base tecnológica e com boas perspetivas de crescimento, num sector onde o grupo não estava ainda presente, mas cuja atuação seria complementar às áreas onde já atuava como fornecedor”, começa por explicar Miguel Santos. A integração, diz, “foi muito positiva” para a FHP, tendo permitido o seu “crescimento, adotando um modelo de gestão diferente, em linha com os demais negócios da FREZITE”.  

Ainda assim, apesar da FHP fazer parte do grupo, “continua a ser responsável pelos seus próprios investimentos e é gerida por uma equipa autónoma”. “Temos apostado nas sinergias de grupo, utilizando a tecnologia por nós desenvolvida em aplicações terrestres (dentro e fora do grupo), nomeadamente em articulação com a Divisão Metal da FREZITE. Colaboramos também, de forma ativa, com a SERI – empresa de dispositivos de fixação do grupo – na produção de algum do nosso hardware. São dinâmicas de grande proveito que têm contribuído para o desenvolvimento sustentado do grupo FREZITE”, aponta Miguel Santos. 

 

Nem todas as empresas vão a Marte

“São já algumas as missões em que participámos ao longo destes 15 anos, criando estórias especiais”, introduz o Commercial Business Manager. A FHP participou “no voo de estreia do lançador VEGA”, o primeiro flight hardware da empresa, para o qual forneceu “uma proteção térmica para uma das câmaras do lançador, o que permitiu recolher imagens desse primeiro voo”. “Depois veio a missão ExoMars, em 2016, na qual a FHP forneceu proteções térmicas para dois instrumentos a bordo do TGO (Tras Gas Orbiter). Estes instrumentos continuam a recolher e enviar dados do ambiente marciano para a Terra”, complementa Miguel Santos. A FHP produziu ainda a proteção térmica para o módulo Schiaparelli (EDM – Entry and Descent Module), “cuja missão era aterrar em Marte”; infelizmente, o módulo despenhou-se na superfície marciana. “Contudo, creio que não serão muitas as empresas a poder dizer que têm hardware em Marte”, brinca o Commercial Business Manager.  

A FHP ergueu a bandeira portuguesa ainda mais alto em importantes missões científicas da ESA nos últimos anos, como o EUCLIDD e o JUICE. Do portefólio fazem ainda parte as missões PLATO (que vai observar Europa, uma das luas de Júpiter) e HERA, “cujo objetivo é fazer desviar o curso de um asteroide com trajetória de colisão à Terra”, bem à moda do filme Armageddon. A FHP também se lançou em aventuras para lá do sistema solar, desenhando e produzindo as proteções térmicas usadas no telescópio ótico do CHEOPS, participando ainda “na fase preliminar da missão ATHENA, que fará uma radiografia do universo, estudando os buracos negros na próxima década”. 

“Temos vindo a participar em missões de Observação da Terra com o fornecimento da estrutura do large deployable reflector do satélite CIMR. E, mais recentemente, em satélites de comunicação, como o AlphaSat ou o H2Sat”, diz Miguel Santos. A empresa portuense também deixou a sua marca em “quase todos os satélites do Copernicus”, o programa europeu de Observação da Terra, através do “fornecimento de proteções térmicas para diversos instrumentos” e até “de satélites completos”, assim como “na antena desdobrável do satélite CIMR”, “praticamente três vezes maior do que o corpo do próprio satélite onde está inserida”.  

A FHP participou e participa em várias missões internacionais, como é o caso da missão PLATO. © FHP

 

Fora do “raio institucional da ESA”, aponta Miguel Santos, a FHP tem vindo a empenhar-se nos domínios do New Space, principalmente através do “fornecimento de hardware de voo para uma constelação norte-americana com mais de 100 satélites, assim como noutras atividades comerciais na Europa, nomeadamente em Espanha, Itália, Bélgica e Luxemburgo”. “A FHP também está empenhada na participação no Galileo e na participação nas próximas missões à Lua”, acrescenta. 

O portefólio é longo e impressiona, mas os objetivos da FHP mantêm-se: fazer crescer a empresa “de forma sustentada e acrescentar valor aos produtos, de forma regular, tornando-os cada vez mais atraentes para os clientes”. A curto prazo, isso significa “completar soluções no subsistema térmico, fazer crescer a parte estrutura com fornecimento de estruturas deployable, booms, central tube e componentes para micro-lançadores”. “A médio prazo, nutrimos a vontade de virmos a ser um integrador de pequenos satélites”, conclui Miguel Santos.  

Para tal, é preciso uma equipa motivada que, na FHP, também é “jovem e dinâmica”, para além de multisciplinar. Há doutorados, mestres e licenciados vindos de várias universidades do país — da Faculdade de Engenharia da Universidade ao Instituto Superior Técnico, passado pelas Universidades Nova, de Coimbra e da Beira Interior —, mas também “profissionais especializados com know-how de mais de uma década na área do Espaço”. Hoje, se um cliente suíço entrasse pelas instalações da FHP adentro, já não diria a mesma frase. Teria de se adaptar e dizer “Ils sont 27!” 

Autor
Portugal Space
Data
28 de Abril, 2022