Viu lixo no mar? Tire uma fotografia,
que a SMART trata do resto

A aplicação foi criada no âmbito do projeto SMART, vencedor da primeira edição do AI Moonshot Challenge, promovido pela Agência Espacial Portuguesa. Desenvolvida por um consórcio que junta membros de várias universidades e centros de investigação nacionais, promete ser uma valiosa aliada no combate à poluição marinha.

E se pudesse contribuir para o combate à poluição dos oceanos a partir do seu telemóvel? Ter uma participação ativa nesta causa é possível com a SMART, uma aplicação para telemóveis com assinatura portuguesa. Como? Quando encontrar lixo no mar, ou na zona costeira, tire uma fotografia aos detritos. A aplicação não só regista a sua geolocalização, como permite anotar de forma simples algumas das suas características: tamanho, cor predominante e área de acumulação. Ao utilizar a aplicação estará a contribuir para a criação de um repositório europeu de referência essencial para treinar algoritmos de deteção destes detritos a partir do Espaço, e desenvolver uma ferramenta de monitorização da poluição por plástico nos oceanos.

A SMART é a materialização das intenções pelas quais o consórcio SMART foi criado: responder aos desafios apresentados na primeira edição do AI Moonshot Challenge, uma iniciativa da Agência Espacial Portuguesa. Em 2020, o concurso procurava ideias que quisessem fazer a diferença na luta à poluição dos oceanos, com soluções que juntassem as possibilidades das tecnologias espaciais à Inteligência Artificial.

O primeiro prémio foi para o consórcio SMART, formado por membros do Centro de Recursos Naturais e Ambiente do Instituto Superior Técnico (CERENA), do Laboratório de Sistemas e Tecnologias Subaquáticas da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, da Universidade de Aveiro, do Instituto Hidrográfico e do programa MIT Portugal.

 

Aplicação permite identificar e informar, de forma fácil, sobre o lixo que encontramos no mar. © DR

 

A ideia para esta solução “surgiu da necessidade de validar as acumulações de plástico previstas pelos algoritmos de aprendizagem automática por meio de observações in situ”. “Para essa tarefa, contamos com o apoio do Instituto Hidrográfico. Inicialmente, utilizávamos folhas de observação físicas, em papel. No entanto, rapidamente percebemos que poderíamos expandir esse conceito de uma forma mais abrangente. Foi assim que surgiu a ideia da aplicação móvel, como uma solução para essa necessidade”, contextualiza Leonardo Azevedo, coordenador do projeto SMART e um dos responsáveis pelo desenvolvimento da aplicação.

A constante busca por soluções para este problema, que não é novo, acaba por revelar a sua gravidade. A título de exemplo, em apenas 15 anos, a concentração de plásticos no meio marinho aumentou dez vezes. A conclusão é de um artigo publicado em março último pela revista científica PLOS ONE. Segundo o artigo, em 2005 já havia 16 mil milhões de partículas de plástico na superfície dos oceanos da Terra, o que equivale a 220.00 toneladas; em 2019, o número de fragmentos subiu para 171 mil milhões, ou seja, 2,3 milhões de toneladas.

Leonardo Azevedo, também investigador e docente do Instituto Superior Técnico, acredita que o AI Moonshot Challenge “foi uma oportunidade única para abordar um problema de extrema relevância na nossa sociedade”, uma vez que premiou “um projeto que pretende contribuir cientificamente e produzir resultados com impacto prático”.

 

Combater a poluição pode ser fácil

Com “impacto prático”, Leonardo Azevedo refere-se à facilidade com que qualquer pessoa pode partilhar informação sobre o estado do oceano com quem, como ele, o estuda. Por detrás da aplicação há uma equipa que, desta forma, vê facilitada a “modelação da evolução temporal e espacial das acumulações de plástico na superfície do oceano”. Como? “São utilizados diferentes métodos de aprendizagem profunda de forma complementar. Por um lado, esses métodos são empregados para identificar automaticamente as áreas onde ocorrem essas acumulações, por meio da identificação automática de imagens de satélite, como as do Sentinel-2, nesta fase atual do projeto.”

 

 O Sentinel-2 ajuda na identificação automática de acumulações de lixo. © DR

 

Ao mesmo tempo, a equipa usa “abordagens para calcular rapidamente a evolução espaço-temporal do oceano, que é um problema complexo que normalmente requer grande capacidade de computação e conhecimentos especializados”. “Para calibrar e validar o modelo proposto, tiramos partido das campanhas regulares realizadas pelo Instituto Hidrográfico com navios, bem como dos dados obtidos por meios não tradicionais, como veículos autónomos”, completa. E, agora, com a criação da SMART, alargaram significativamente a base de informação já que quaisquer outros cientistas e até cidadãos podem contribuir. O propósito dos criadores da aplicação é tornar públicos os dados partilhados pelos utilizadores e que estes convirjam “com um repositório europeu de referência para esse tipo de identificação”. Aí, contarão com o apoio da Agência Espacial Portuguesa e da Agência Espacial Europeia (ESA).

Neste momento, a SMART está apenas disponível para Android, mas Leonardo Azevedo avança que a equipa está a “trabalhar ativamente para disponibilizá-la”, muito em breve, na plataforma iOS. E será bastante intuitiva e descomplicada em ambos os sistemas operativos: “O objetivo é que a aplicação seja de fácil de utilização, mantendo um design simples e um número reduzido de opções. Após instalar a aplicação no seu telemóvel, o utilizador poderá começar a utilizá-la imediatamente.”

Por agora, e “após 12 meses de projeto”, os resultados, que a equipa vai partilhando com a comunidade científica a partir de “publicações em revistas internacionais e apresentando-os em diversos eventos de divulgação científica”, têm sido “muito interessantes e promissores”.  “Estamos no bom caminho”, acredita, acrescentando que “a colaboração da Agência Espacial Portuguesa tem sido extremamente valiosa”, assim como “a ligação e colaboração estabelecidas com a ESA”.

 

Em apenas 15 anos, a concentração de plásticos no meio marinho aumentou dez vezes. ©DR

Paralelamente à criação da aplicação, o projeto SMART desenvolveu “um método de identificação automática de acumulações de detritos marinhos, como plástico e madeira, a partir de imagens de satélite”. Testado em diferentes regiões do globo, o modelo utiliza dados da constelação Sentinel-2, do Programa Europeu de Observação da Terra, o Copernicus, tendo obtido “resultados relativamente positivos”. Além disso, “a componente de modelação numérica da hidrodinâmica da área de estudo já foi implementada e validada”.

Atualmente, a equipa está a iniciar “trabalhos de desenvolvimento de uma nova ferramenta computacional para a modelação espaciotemporal do oceano, que é um dos componentes essenciais para atingir o objetivo final do projeto”: a identificação automática de acumulações e as condições hidrodinâmicas do oceano, que permitirão inferir sobre a origem e o destino dessas acumulações.

Os membros integrantes do projeto estão igualmente focados na primeira versão da SMART e na sua divulgação. “Na próxima versão da aplicação, iremos integrar o feedback e os comentários dos utilizadores, de modo a aprimorar ainda mais a sua funcionalidade e usabilidade. Além disso, estamos a fazer esforços para integrar a plataforma da aplicação com o OceanScan, que é um projeto já concluído e financiado pela ESA”,  remata.

Com um futuro que se perspetiva positivo, o consórcio SMART diz-se “empenhado em continuar a avançar na pesquisa, fortalecer parcerias e contribuir positivamente para a luta contra a poluição dos oceanos”. Por isso, não se esqueça: da próxima vez que for à praia, leve a toalha, o protetor solar e a SMART consigo.

Autor
Portugal Space
Data
6 de Junho, 2023