Defesa planetária vale a empresas portuguesas 2,9 milhões de euros

A Efacec, GMV e Synopsis Planet estão envolvidas numa das mais ambiciosas missões da Agência Espacial Europeia: testar a possibilidade de desviar grandes asteroides da rota da Terra. O negócio das três empresas envolve contratos no valor total de 2,93 milhões de euros.

A Agência Espacial Europeia (ESA) deu luz verde ao contrato de 129,4 milhões de euros com a alemã OHB que prevê o desenvolvimento do projeto, fabrico e testes da missão Hera, que irá lançar, em 2024, uma sonda com destino a um sistema binário de asteroides. A sonda Hera será a contribuição europeia para o projeto internacional que pretende desviar um asteroide da rota de colisão com a Terra e realizar o estudo de um sistema de asteroides duplo. Esta é a primeira missão de defesa planetária da ESA e tem a participação da Efacec, GMV e Synopsis Planet, que serão responsáveis pelo desenvolvimento de alguns dos elementos fundamentais para o sucesso da missão.

“As empresas portuguesas passaram os últimos anos a acumular experiência, conhecimento e a desenvolver as competências necessárias para a criação de soluções ímpares, que começaram por ser pequenos projetos e que hoje são essenciais em alguns sistemas e subsistemas de grandes missões internacionais”, explica Ricardo Conde, presidente da Agência Espacial Portuguesa, que tem entre as suas áreas de atuação a Segurança Espacial, nomeadamente as questões ligadas à defesa planetária. Para acompanhar o esforço europeu e contribuir para o desenvolvimento de competências do setor espacial português, Portugal subscreveu, na última Cimeira Ministerial da ESA, Space19+, um total de 2,8 milhões de euros para o envelope da missão Hera.

“Queremos contribuir para o esforço global de combate a possíveis ameaças contra a Terra, quer ajudando a dar visibilidade internacional às competências da indústria portuguesa, quer reforçando o conhecimento da comunidade científica nacional em torno de um tema que será fundamental para o futuro do planeta”, diz ainda o presidente da Portugal Space.

Segunda maior encomenda da história espacial da Efacec

Sem quantificar, Vasco Granadeiro, responsável pelo departamento de aeroespacial da Efacec, afirma que o contrato com a OHB, que inclui também a participação da Roménia e da Letónia, representa a “segunda maior encomenda de sempre em mais de 15 anos de atividade” no sector espacial da tecnológica com origem na região norte e escritórios em seis países. Em termos financeiros, a encomenda para a missão Hera é apenas “ultrapassada pelo monitor de radiação que integrará a missão JUICE”, a missão da ESA que tem por objetivo explorar as luas de Júpiter.

Nesta nova missão, a Efacec ficará encarregue de desenvolver um dos instrumentos fundamentais para o cumprimento dos objetivos da Hera: um altímetro LIDAR (LIght Detection And Ranging). “Trata-se de um equipamento baseado em tecnologia laser capaz de medir distâncias até 20 quilómetros com uma precisão de 10 centímetros”, explica Vasco Granadeiro, acrescentando que a contribuição da Efacec nesta missão se traduz no chamado PALT (Planetary ALTimeter). Para o desenvolver, a Efacec lidera um consórcio composto por mais uma empresa portuguesa, a Synopsis Planet, duas empresas romenas (Efacec-Roménia e INOE) e uma empresa da Letónia (Eventech).

Com lançamento previsto para 2024, a sonda Hera irá testar o desvio de um asteroide potencialmente perigoso para Terra. Tendo como destino a deflexão do sistema de asteroides duplo batizado de Didymos, a ESA cumprirá a segunda fase de uma missão partilhada com a NASA. Os norte-americanos levarão a cabo o Double Asteroid Redirect Test (DART, ou Teste de Redireccionamento de Asteroide Duplo), que prevê que a nave colida com o menor dos dois corpos, na segunda metade de setembro de 2022, através de um método designado de “impacto cinético”, a uma velocidade de cerca de 6,6 km/s.

Os sistemas binários de asteroides representam cerca de 15% de todos os asteroides conhecidos, mas esta será a primeira vez que se fará a sua aproximação e exploração. O par de asteroides Didymos está próximo da Terra, ainda que não representem perigo para o planeta. O corpo principal, de tamanho semelhante a uma montanha de 780 metros de diâmetro, é orbitado por uma lua de 160 metros, aproximadamente com a mesma dimensão da Grande Pirâmide de Gizé.

Dois anos após a colisão do DART, a missão Hera irá proceder ao levantamento detalhado dos efeitos do impacto com o objetivo de transformar esta experiência em grande escala numa técnica que permita desviar asteroides sempre que exigido.

O altímetro (PALT) desenvolvido pela Efacec permite fazer o estudo do asteroide, mas também recolher dados que serão usados pelo sistema de navegação do satélite, sendo que outra das grandes inovações da Hera terá igualmente assinatura portuguesa.

GMV desenvolve o primeiro piloto automático para asteroides da história

A operação de aproximação e navegação em torno de asteroides é uma tarefa de uma exigência e complexidade raras. Como explica João Branco, responsável do segmento Espaço na GMV Portugal, “a reduzida dimensão destes corpos, bem como a sua forma irregular e o ambiente desconhecido do espaço profundo, fazem com que seja um desafio guiar as naves espaciais em segurança à volta destes corpos”. Para responder a este repto, a equipa de João Branco está a desenvolver “um sistema autónomo altamente inovador de Orientação, Navegação e Controlo [GNC na sigla inglesa] para garantir o sucesso da missão”.

Assim, a GMV Portugal terá a seu cargo o desenvolvimento de elementos fundamentais às operações de aproximação dos asteroides. “Somos responsáveis pelo sistema de controlo de manobras orbitais a bordo, incluindo a definição de estratégias de navegação híbrida entre o Segmento de Terra e o sistema de Controlo Automático GNC da nave”, detalha João Branco.

O desafio apresentado à equipa da GMV é enorme, dadas as gigantescas velocidades e distâncias a que o corpo celeste se encontra da Terra. “Em analogia pode considerar-se um desafio de fazer acertar uma bala disparada a 2 kms noutra bala disparada a igual distância”, afirma João Branco.

É a primeira vez na história da exploração espacial europeia que uma sonda espacial manobra autonomamente em redor de um corpo celeste, mas não poderia ser de outra forma: devido à distância à Terra os telecomandos demorariam horas a chegar. “O veículo terá que ser capaz de tomar decisões automáticas, um processo algorítmico altamente complexo, que apenas pode ser respondido porque a equipa portuguesa da GMV conta com 15 anos de experiência na conceção e desenvolvimento de pilotos automáticos para missões interplanetárias críticas.”

Para a empresa portuguesa, a missão Hera é “uma oportunidade para progredir na cadeia de valor de um sistema complexo no âmbito de uma missão muito ambiciosa”, resume Teresa Ferreira. O mesmo acontece com a Efacec.

“Do ponto de vista tecnológico, esta encomenda vem coroar a aposta da Efacec na tecnologia LIDAR, que cresceu dentro da empresa através de dois projetos ESA, o primeiro dos quais remonta a 2011”, diz Vasco Granadeiro. De acordo com o mesmo responsável foi “o sucesso” destes contratos que permitiu à empresa portuguesa “obter a confiança da ESA e da OHB para desenvolver o equipamento LIDAR e assim pôr a nossa tecnologia a voar nesta missão”. E aquilo que poderia ser visto como um ponto de chegada é afinal um ponto de partida para outros voos.

A Efacec acredita que “a tecnologia terá no futuro mais oportunidades para voltar ao Espaço, nomeadamente a bordo de lançadores retornáveis ou em missões que impliquem a medição de distâncias como por exemplo remoção de detritos espaciais”, ao que se soma um “grande potencial” de transferência de tecnologia para o setor dos drones. “Já começámos a estudar o mercado e a potencial concorrência e julgamos ter encontrado uma lacuna à qual a nossa tecnologia pode dar resposta”, sublinha Vasco Granadeiro.

Synopsis Planet – Da universidade para o mercado

A futura missão de defesa planetária não representa apenas um exemplo de como as empresas nacionais estão a avançar na cadeia de valor do setor espacial. É também exemplo de como o conhecimento que se produz nas universidades portuguesas tem potencial comercial e é capaz de chegar ao mercado.

O trio de empresas portuguesas presentes na Hera fecha-se com a Synopsis Planet, spin-off da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que irá desenvolver o laser microchip do altímetro da Efacec, além de participar na criação do front-end ótico. “O laser que estamos a desenvolver é um laser microchip (pesa menos de 50g), que gera pulsos de laser de 1535nm de 2ns e é usado como a fonte de luz do altímetro”, explica Paulo Gordo, fundador da startup e membro da equipa científica da ESA que trabalha na missão Hera.

A criação da Synopsis Planet é um exemplo flagrante da transferência de conhecimento da academia para a indústria sendo este, aliás, um dos focos fundamentais da empresa. “Pretendemos produzir equipamentos ou fornecer serviços para o sector espaço que atualmente não existam em Portugal, e também pretendemos transferir estas tecnologias para outros sectores de atividade não espaciais”, sejam na área de ótica, optoelectrónica e/ou teste ambientais.

O tema da defesa planetária está na agenda dos cientistas e das agências espaciais há vários anos e já serviu de argumento para filmes de Hollywood. Ainda que a NASA garanta que existe uma probabilidade de 0,2% de um asteroide atingir a terra em 2185, como diz o provérbio: mais vale prevenir que remediar.

Autor
Portugal Space
Data
12 de Outubro, 2020