Olhe para cima: a solução para (quase) tudo na Terra pode estar nos satélites

Se hoje conseguimos decidir se devemos ou não sair de casa munidos de um guarda-chuva, podemos agradecer, em parte, às tecnologias de observação da Terra. Atuando em várias frentes, os satélites informam-nos sobre o estado do tempo, os campos que cultivamos, as estradas que percorremos ou até a qualidade das águas. E têm vindo a ganhar cada vez mais espaço em vários sectores.

A 15 de janeiro, o mundo viu um vulcão submarino nas proximidades das ilhas Tonga, no Pacífico, a explodir numa violenta erupção, originando um tsunami que atingiu aquele e outros países, como o Chile, a quase 10 mil quilómetros de distância. A erupção foi registada por satélites que captaram em imagens o que ali aconteceu.

Dias depois, um artigo da BBC explicava a importância das imagens adquiridas por esta “frota” que, a partir do espaço, observa a Terra. Alguns satélites geoestacionários estão apontados constantemente para determinadas regiões do planeta, o que quer dizer que, em casos como o da explosão do Hunga-Tonga-Hunga-Ha’apa, “os dados estão imediatamente disponíveis para estudo”. Por outro lado, há satélites em órbitas mais baixas que fazem observações de acompanhamento, o que ajuda a perceber as consequências de catástrofes naturais como esta.  Olhando de frente, é difícil perceber o que se passa para lá de todas as poeiras, cinzas, gases e fumo que escalaram do vulcão até aos céus, alcançando 20 quilómetros de altura. Contudo, há satélites, como alguns dos satélites da família Sentinel do programa Copernicus – programa de observação da Terra da União Europeia, com tecnologia de radar a bordo que permitem observar através dessa nuvem espessa mostrando a devastação causada pela explosão.

Incêndio de Castro Marim (verão de 2021) captado pelo Sentinel-2, um dos satélites do programa de observação da Terra europeu, o Copernicus. ©Copernicus

 

Os olhos do mundo voltam-se cada vez mais para este tipo de fenómenos. Desde o espaço estas imagens ajudam a perceber a dimensão destas catástrofes, mas também ajudam a preparar respostas de busca e salvamento para estes acontecimentos. Foi o que aconteceu, por exemplo, no verão de 2021, aquando do incêndio de Castro Marim. O Serviço de Gestão de Emergências do Copernicus (CEMS, na sigla inglesa) foi ativado pela Proteção Civil Portuguesa para monitorizar o incêndio via satélite. Através de um mapeamento rápido, o Copernicus providenciou informação fundamental para identificar e avaliar os locais mais afetados e a extensão, intensidade e danos resultantes deste evento.

Sair ou não com um chapéu-de-chuva?

Apesar de importantes, estas não são, contudo, as únicas potencialidades dos serviços de observação da Terra. “A utilização dos dados recolhidos pelos satélites tem uma vasta área de aplicações, sendo essencial também na previsão meteorológica, na gestão da floresta e dos recursos agrícolas ou na monitorização de infraestruturas, por exemplo. E já usamos todos esta tecnologia no nosso dia-a-dia. Já ninguém sai de casa sem verificar as previsões meteorológicas no seu telemóvel. Hoje em dia estas previsões permitem-nos decidir com bastante segurança se sair de casa com ou sem um guarda-chuva, sem corrermos muitos riscos de apanhar uma molha. Esta melhoria das previsões deve-se muito aos dados dos satélites meteorológicos da Organização Europeia para a Exploração de Satélites Meteorológicos (EUMETSAT na sigla inglesa”, lembra a responsável pelos projetos de Observação da Terra da Agência Espacial Portuguesa, Carolina Sá.

 

 

Sobre o estado do tempo, em Portugal, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), é auxiliado por este tipo de dados para incrementar a precisão e exatidão das suas previsões. Mas a utilização pelo IPMA dos dados de satélite não se resume à previsão do tempo: o serviço nacional meteorológico, sísmico e oceanográfico “acumula competências de previsão do tempo, de meteorologia, de vigilância, monitorização do clima” e, claro, “do acompanhamento das condições ambientais do mar”.

Quem o explica é a coordenadora de Observação da Terra do IPMA, Isabel Trigo, que salienta que a equipa deste serviço usa dados “muito diversos” e de “plataformas diferentes”. Conseguem, assim, “acompanhar o que acontece em várias áreas de forma muito frequente”, uma vez que “a vigilância meteorológica tem de ter uma cadência de observação da Terra muito elevada”. Traduzindo para números, estamos a falar de “frequências entre os 15 minutos, ou para as regiões mais pequenas que incluem a Europa de cinco em cinco minutos”. Esta vigilância permite identificar rapidamente “situações extremas”, como precipitação elevada ou ventos fortes, o que, na prática, protege a população de situações meteorológicas adversas e/ou extremas.

Ao longo das últimas décadas, tem-se assistido a uma “melhoria das previsões”, que acompanha uma maior eficácia “dos modelos de previsão do tempo”; ou seja, o aumento da quantidade e qualidade dos dados permitiu estudar “fenómenos meteorológicos em escalas cada vez mais finas”, aponta Isabel Trigo.

Além disso, os serviços de observação da Terra são ferramentas fundamentais na hora de tomar decisões cada vez mais importantes. “O Serviço de Monitorização das Alterações Climáticas do Copernicus (C3S) permite que tenhamos acesso a informações sobre o clima tanto no passado como no presente e no futuro, na Europa e no resto do mundo. E são estes dados que ajudam a União Europeia a definir melhores estratégias de adaptação e mitigação das alterações climáticas e a monitorizar o impacto das suas decisões políticas”, explica Carolina Sá. Por outro lado, o Serviço de Monitorização da Atmosfera do Copernicus (CAMS) “fornece dados e informações contínuos sobre a composição da atmosfera, sendo útil em vários domínios, apoiando aplicações nas áreas da saúde, monitorização do ambiente, energias renováveis, meteorologia e climatologia”.

 

Do espaço ao campo

Arlindo Santos, Adjunto para o Conhecimento e Inovação na Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), sublinha a importância das tecnologias do espaço para o setor agroflorestal: este poderá “ser um caminho para cativar gente nova, com competências diferenciadas num setor que, salvo raras exceções, está longe da cabeça dos mais novos”. Ainda que a utilização de satélites seja menos óbvia — ou pelo menos mais recente — nestes domínios, há quem, por Portugal, já se sirva das potencialidades dos serviços de Observação da Terra para melhorar, por exemplo, a eficiência agrícola.

Essa é uma das missões da Agroinsider, que também ambiciona “promover a sustentabilidade ambiental” através da agricultura, porque “um mundo neutro em carbono gera uma agricultura positiva”. Como é que esta empresa de Évora utiliza os dados de Observação da Terra para esse fim?

“O que nós fazemos é utilizar os sensores de Observação da Terra para medir parâmetros que são importantes do ponto de vista do crescimento vegetativo e da qualidade do solo”, introduz o CEO da empresa, José Rafael Silva. O sensor ótico do Sentinel-2 permite aos agricultores o acesso a dados como “a textura da vegetação”, a “atividade fotossintética” e a qualidade da água superficial. Já o radar do Sentinel-1 permite conhecer melhor “a estrutura da vegetação”, distinguindo as árvores através dos dados sobre as folhas e reunindo informações sobre “o número de ramos, a altura e a opacidade”. Para além disso, este satélite “pode ser utilizado para o estudo da qualidade do solo, percebendo se o solo é mais arenoso ou argiloso” e para “saber se a árvore tem ou não dificuldades de crescimento”.

 

As tecnologias de observação da Terra estão cada vez mais presentes no setor agroflorestal. © ESA

 

“Ao utilizador dos nossos serviços, reduzimos o stress e a tensão que algumas tomadas de decisão acarretam”, explica. Com os dados recolhidos pela Agroinsider, o agricultor sabe com precisão que área poderá estar a ser negativamente afetada, evitando aos trabalhadores “longas campanhas de deslocação” para fazer a monitorização no local. Saem a ganhar ambas as partes, mas também o planeta: “Automatizamos este processo e corta-se, por exemplo, no combustível gasto e nas horas de vigilância”. E isto também permite que o consumidor final pode comprar “produtos mais baratos e mais sustentáveis”.

Os satélites são particularmente importantes quando falamos em matérias-primas vivas, em constante mudança, como é, por exemplo, o caso da floresta. Por isso, os dados recolhidos podem igualmente ajudar os empresários da indústria do papel a conhecer melhor a floresta e a tomar decisões importantes. Estes dados, juntamente com algoritmos gerados pela Inteligência Artificial, são a base de um projeto pioneiro que une a CELPA – Associação da Indústria Papeleira e a Tesselo, uma start-up que atua na área da sustentabilidade ambiental, para que as necessidades da indústria do papel portuguesa sejam correspondidas, ajudando na vigilância ao nível do crescimento, mas também de incêndios e pragas.

Essa é mesmo uma das maiores contribuições dos satélites para a gestão do fogo e da floresta, como referiu Arlindo Santos, da AGIF: é expectável que “num futuro próximo” as tecnologias de Observação da Terra “venham a ganhar um destaque ainda maior, melhorando significativamente a eficiência de toda a cadeia de processos” do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SIGFR).

 

Observar a Terra e a água

Estas tecnologias também ganham terreno no estado líquido, solucionando e abordando problemáticas que assolam os nossos oceanos e zonas costeiras, e que correspondem a mais de 70% da área do nosso planeta. É o caso do projeto Habtrail, da empresa açoriana Eyecon Group, que recentemente venceu o Portugal Space Atlantic Challenge.

O projeto propõe-se a desenvolver uma ferramenta para combater a proliferação de algas nocivas, que afetam não só as águas portuguesas, como todas as zonas costeiras do mundo. A Eyecon Group desenvolveu dois modelos de “deep learning”. Considerando o impacto deste tipo de algas na aquacultura, na pesca, no turismo e na saúde pública, o Habtrail pode tornar-se num bom aliado da atividade marítima e economia Azul.

Conhecer o estado das massas de água é imperativo: de acordo com a Comissão Europeia, cerca de “15% das massas de água de superfície da UE encontram-se num estado ecológico desconhecido” e “cerca de 40% num estado químico desconhecido”, como se lê num artigo de 2018 da Environmental Management: The Transition of EU Water Policy Towards the Water Framework Directive’s Integrated River Basin Management Paradigm, de Theodoros Giakoumis e Nikolaos Voulvoulis.

A mesma informação encontra-se no site da Undersee. A startup de Coimbra desenvolveu o primeiro sistema FerryBox português, que consegue “antecipar o fenómeno das algae bloom [algas nocivas]” e proteger a produção na aquacultura, tornando-a “mais sustentável”, explica Jorge Alexandre Vieira, CEO da Undersee. “Utilizamos as tecnologias de Observação da Terra, bem como os modelos de previsão do CMEMS [Serviço de Monitorização do Meio Marinho do Copernicus]. E combinamos com monitorização in situ, que colocamos em barcos. Esse é o sistema ferrybox”, explica.

A constante demanda de consumo, o aumento da população mundial e o facto de o planeta estar cada vez mais sujeito às alterações climáticas pode comprometer o consumo de alimentos ricos em proteínas — 16% dos quais vem dos oceanos. O sistema desenvolvido pela Undersee quer dar resposta a esta problemática, principalmente na aquacultura: “O sistema permite antecipar estes fenómenos naturais, proteger a produção e permitir que, no futuro, não haja qualquer tipo de perda devido ao estado da qualidade da água.”

 

Hoje em dia, os satélites ajudam a avaliar parâmetros da qualidade da água, por exemplo. ©ESA

Satélites no caminho

Não é muito descabido dizer que tudo o que foi anteriormente referido, dos fenómenos naturais à monitorização da vegetação, também afeta, de certa forma, as infraestruturas que nos levam aos lugares a que queremos chegar. E a verdade é que as tecnologias de Observação da Terra têm feito caminho neste âmbito. Um desses exemplos é a Spotlite, startup de Coimbra que desenvolveu “uma plataforma para fazer a monitorização de riscos que podem afetar as diferentes infraestruturas”.

“Neste momento estamos focados nestas áreas: geo-riscos, vegetação, inundações e outros riscos antrópicos”, começa por explicar o CEO da Spotlite, Ricardo Cabral. No primeiro caso, a plataforma utiliza estes dados para monitorizar, por exemplo, “a estabilidade dos solos”. No que diz respeito à vegetação, avalia-se se esta apresenta “algum risco para a circulação nas estradas ou caminhos de ferro”. No caso das inundações aplica-se a mesma abordagem, mas o trabalho da Spotlite foca-se “mais no envio de alertas precoces com dados meteorológicos” para que um serviço seja interrompido numa situação de alerta — como o risco que apresenta uma zona de alagamento numa zona onde passe um comboio, por exemplo. Quanto aos riscos causados por atividades humanas, a startup monitoriza “a deflorestação e atividades agrícolas”.

O envio do diagnóstico e de alertas pretende antecipar uma intervenção que evite falhas críticas nas infraestruturas. “O objetivo é precisamente utilizar uma monitorização de alta frequência em áreas bastantes extensas, para que as infraestruturas sejam sempre avaliadas”. E em que estado se encontram a ferrovia ou as autoestradas portuguesas, por exemplo? “É muito fácil pensar que estas infraestruturas foram construídas há 30, 40 ou 50 anos e, na maioria dos casos, estão a aproximar-se do limite de vida”, avisa Ricardo Cabral. “Isso causa problemas aos gestores de manutenção, porque trata-se de um tempo de vida que está a ser estendido e que acarreta mais estudos e mais trabalhos”, completa. A melhoria das atividades de manutenção também é o objetivo da Spotlite, cujo CEO acredita que, “tendencialmente, as operações no terreno e inspeções vão ser gradualmente substituídas por monitorizações remotas”.

“Por estes e muitos outros motivos, a Observação da Terra através do espaço é tão importante. Vivemos num planeta que está a degradar-se muito rapidamente devido à ação humana e por isso devemos cuidá-lo para deixarmos aos nossos filhos uma casa onde possam viver como nós vivemos. Os dados de satélite ajudam-nos nessa missão e a Agência Espacial Portuguesa está a apostar cada vez mais nesta tecnologia para dinamizar esta área em Portugal,” remata Hugo André Costa, diretor da Agência Espacial Portuguesa.

E a expansão das tecnologias de Observação da Terra contribui para isso mesmo, bem como para os dados serem “cada vez mais acessíveis e adequados”. Em todas as vertentes — do mar que banha a terra à estrada que nos leva ao campo, passando pela floresta que se vê da janela do comboio.

Autor
Portugal Space
Data
27 de Janeiro, 2022