A minha história
com o Telescópio Espacial James Webb

Num projeto que está a ser preparado há mais de três décadas, não há margem para erro. Mas cá em casa, os mais tensos são os meus filhos, preocupados que o lançamento, agora previsto para o dia 24 de Dezembro, possa afetar a rota do Pai Natal e das suas renas!

O James Webb, o maior e mais complexo telescópio espacial alguma vez construído, está pronto para ser lançado ao espaço. Um projeto internacional liderado pela NASA com os seus parceiros, a Agência Espacial Europeia (ESA) e a Agência Espacial Canadiana, que levou centenas de cientistas, engenheiros e técnicos a dedicarem grande parte das suas carreiras para completar esta fantástica obra de engenharia. No meu caso, dez anos.  Trabalho como cientista na ESA desde 2011, onde sou responsável pela calibração de um dos instrumentos do Webb, o espectrógrafo NIRSpec, o instrumento mais requisitado pela comunidade científica para o primeiro ano de observações.  

Fazer parte de uma missão tão desafiante como o Webb é um exercício diário de humildade.Os requisitos ambiciosos dos cientistas fazem-nos trabalhar de forma incessante para assegurar que o telescópio vai estar à altura das suas necessidades. Durante a fase de desenvolvimento, trabalhei vários anos nos Estados Unidos da América onde acompanhei o espectrógrafo NIRSpec, uma das contribuições da ESA para a missão, nas campanhas de teste do telescópio que tiveram lugar em alguns dos emblemáticos lugares da história espacial, como o centro de teste do programa Apolo no Johnson Space Center da NASA, em Houston (Texas), 50 anos mais tarde adaptado para testar o Webb. O telescópio vai operar a 1,5 milhões de quilómetros da Terra, e não poderá ser reparado. Não há margem para erro, e os testes intensivos no solo são a nossa melhor forma de preparação.  

Saber que o Webb vai abrir uma nova janela para o Universo e mudar o que sabemos hoje sobre as nossas origens é uma enorme fonte de inspiração. Parte do meu trabalho ao longo dos anos tem sido dar apoio à comunidade científica para que aprenda a utilizar os instrumentos do Webb da melhor forma. Quando abriram as candidaturas para escolher os programas que seriam observados no primeiro ano do Webb, recebemos mais de mil propostas. A seleção final foi feita por um painel de cientistas independente e contempla 400 programas ambiciosos que envolvem 2500 investigadores vindos de todo o mundo, incluindo de Portugal! 

Durante o primeiro ano de observações do Webb, praticamente todas as áreas de astrofísica e astronomia planetária serão investigadas, produto da versatilidade do telescópio e dos seus instrumentos. Os programas selecionados vão investigar como era o Universo inicial quando se formaram as primeiras estrelas e galáxias e reconstruir a evolução das galáxias ao longo do tempo cósmico. Mais perto da Terra, o Webb vai também ser utilizado para penetrar nas nuvens de gás e poeira da nossa Galáxia para observar a fase inicial da formação de estrelas e os seus sistemas planetários, estudar o nosso Sistema Solar, e descobrir de que são feitas as atmosferas dos planetas extrassolares em busca dos elementos necessários para a vida.  

Para proporcionar avanços em todas estas áreas, o desenho e construção do Webb são baseados em várias tecnologias pioneiras. Com um espelho de 6,5 metros, o Webb é o telescópio com o maior espelho principal alguma vez lançado ao espaço, o que faz com que tenha uma sensibilidade 100 vezes superior à do seu predecessor, o conhecido telescópio Hubble, também fruto de uma colaboração entre a NASA e a ESA, e em operação há 31 anos. Desenvolvido para trabalhar no infravermelho, o Webb tem que ser mantido a uma temperatura de -233 graus Celsius, o que significa que todos os sistemas a bordo devem ser capazes de arrefecer no espaço. Isto é conseguido através de um escudo solar desdobrável do tamanho de um campo de ténis que mantém o telescópio e os instrumentos frios. O tamanho único deste telescópio implica que tenha tido de ser dobrado para caber no foguetão Ariane 5, também uma contribuição da ESA para a missão. 

O Webb vai ser lançado desde o Centro Espacial Europeu na Guiana Francesa, e logo nas primeiras horas depois do lançamento, será iniciada umas das mais complexas coreografias alguma vez feitas no espaço para desdobrar o telescópio até que este atinja a sua configuração final. Com 344 pontos únicos de falha, o nome dado em engenharia aos mecanismos críticos que têm que funcionar para que um processo possa avançar, é sem dúvida uma das operações espaciais mais complexas jamais tentadas. 

 

Copyright para grafismo: ESA, responsabilidade pela tradução pela Agência Espacial Portuguesa, Portugal Space

 

Nos primeiros seis meses após o lançamento, participarei na campanha de preparação do telescópio no Centro de Controle da Missão, no Space Telescope Science Institute, em Baltimore (Maryland), para monitorizar o estado e desempenho do instrumento NIRSpec. Também estarei envolvida nas atividades de calibração do instrumento, analisando alguns dos primeiros dados que o Webb vai adquirir no espaço, de forma a aplicar os métodos que a nossa equipa desenvolveu para tratamento de dados para que as observações científicas possam ser realizadas com a precisão necessária de forma a atingir os objetivos científicos ambiciosos da missão.  

Uma vez que o Webb entre na sua fase de operação científica, com um início previsto para meados de 2022, continuarei o meu trabalho noutras missões futuras que a ESA já esta a preparar. Atualmente, exerço também o cargo de responsável pela definição e implementação das operações científicas da ESA para a missão Ariel, uma missão dedicada à espectroscopia de planetas extrassolares com lançamento previsto para 2029, e onde Portugal tem importantes contribuições a nível científico e industrial. 

Lembro-me da primeira vez que ouvi falar do Webb, no início da década de 2000, e de pensar que era um projeto impossível. Eu era ainda estudante da licenciatura de Física / Matemática Aplicada (especialização em Astronomia) na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Uma das razões que me levaram a estudar Astronomia, foi ver a então diretora deste programa, a Professora Teresa Lago, a explicar na televisão a importância da adesão de Portugal à ESA e também ao Observatório Europeu do Sul no ano 2000. Não só, como portuguesa, podia agora sonhar com trabalhar na ESA, como existia um curso universitário para me preparar! Hoje, não só cumpri o meu sonho profissional, como não tenho dúvidas que o Webb e todas as equipas envolvidas nesta fase da missão estão preparados para o grande desafio dos próximos meses. Aqui em casa, os mais tensos são mesmo os meus filhos, preocupados que o lançamento, agora previsto para o dia 24 de Dezembro, possa afetar a rota do Pai Natal e das suas renas! 

Boa viagem, Webb! 

NOTA: O lançamento do Telescópio Espacial James Webb estava inicialmente previsto para dia 24 de dezembro.
Autor
Catarina Alves de Oliveira
Data
23 de Dezembro, 2021
Sobre o autor

Catarina Alves de Oliveira (Afife, 1982) é cientista na Agência Espacial Europeia (ESA), dedicando-se à preparação do futuro telescópio espacial James Webb. Em paralelo, exerce o cargo de responsável pela definição, design e implementação das contribuições da ESA para as operações científicas das missões Ariel e SMILE. Atualmente, desempenha as suas funções desde o Centro Europeu de Astronomia Espacial (ESAC), situado nos arredores de Madrid. É licenciada em Física/Matemática Aplicada (ramo de Astronomia) pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (2004), e obteve o grau de Mestre (2005) pelo trabalho desenvolvido em parceria na ISU e no Observatório Astronómico da África do Sul. Desenvolveu o seu projeto de doutoramento em Astronomia no ESO, doutorando-se em 2008 pela Universidade Ludwig-Maximilians de Munique (Alemanha). Posteriormente foi bolseira do programa Ações Marie-Curie em formação pós-doutoral no Laboratório de Astrofísica de Grenoble (França), dedicando-se ao estudo da Formação Estelar na nossa Galáxia. Em 2011, juntou-se à equipa de cientistas da ESA, tendo também trabalhado em Baltimore (EUA), entre 2015 e 2020, para assegurar a contribuição da ESA na fase de desenvolvimento e teste do centro de operações do telescópio Webb.